A cooperação entre Brasília e os poderes subnacionais foi praticamente nula nos últimos quatro anos e renegada quando se tratou de combater a pandemia. Muito mais do que a um estilo de governo, esse abandono do vínculo entre os níveis administrativos é atribuível à miséria da ação governamental do presidente Jair Bolsonaro.
Em todo o mandato, suas ações foram marcadas principalmente por objetivos pessoais e familiares, por voluntarismo e por improvisação. Se pelo menos o ministro da Economia tivesse recorrido a algum planejamento, a história poderia ter sido um pouco diferente. Mas a gestão econômica foi muito bem alinhada ao – por assim dizer – estilo bolsonariano, sem planos, sem projetos claros e sem visão de longo prazo.
A relação entre poder central e poderes subnacionais foi brutalmente afetada por interesses eleitorais – particulares, portanto – do presidente Bolsonaro, quando ele conseguiu do Congresso uma redução do tributo estadual sobre combustíveis, eletricidade, telecomunicações e transporte. Possibilitado por uma violência contra o princípio federativo, esse lance demagógico produziu benefícios de caráter eleitoreiro e até freou, temporariamente, os indicadores de inflação. Mas foi insuficiente, enfim, para o objetivo principal do presidente, a reeleição.
Sobraram, naturalmente, enormes perdas de arrecadação para Estados e municípios, com inevitáveis prejuízos para serviços prestados a dezenas de milhões de brasileiros. Este será, muito provavelmente, um dos temas de conversas entre o futuro presidente da República e os governadores eleitos. Não há como prever com detalhes os possíveis desdobramentos dessa discussão. Mas a colaboração com os governadores, um objetivo muito valorizado pelo presidente eleito, poderá produzir resultados de grande alcance em vários campos.
Um dos mais importantes será a reforma tributária. O atual ministro da Economia nunca foi além, nas suas propostas, de mudanças limitadas na área dos tributos federais e, nos momentos de maior ousadia, de uma ressurreição do malfadado imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), uma das maiores aberrações da história tributária do Brasil. Nenhuma iniciativa séria, nesse assunto, pode passar longe de uma ampla revisão dos tributos indiretos, a começar pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal fonte de receita própria dos Estados.
Importantíssimo como gerador de recursos, o ICMS representou um avanço quando foi implantado, em 1967, mas também se tornou, ao longo de mais de meio século, uma fonte de distorções econômicas e de desigualdade. Qualquer projeto sério e abrangente de reforma deve incluir, entre seus objetivos, maior funcionalidade do imposto, maior compatibilidade com a integração global da economia e mais justiça distributiva. Não há como cuidar dessas questões sem tratar do maior tributo estadual. Pelo menos dois projetos já apresentados no Congresso enfrentam tecnicamente essas questões. O presidente eleito terá, portanto, um bom ponto de partida para discutir com os governadores a modernização tributária, podendo dispor, já se sabe, de respeitável assessoria técnica.