Já no segundo dia na chefia da Casa Civil, em uma entrevista concedida à GloboNews, o ministro Rui Costa anunciou que o governo tem a intenção de acelerar obras públicas “sem depender do Orçamento”. Ele sugeriu que as empresas com dívidas relacionadas a acordos de leniência poderiam substituir as multas pela execução de obras do governo. A forma extemporânea com que o tema surgiu no debate público não surpreende. Os principais acordos de leniência firmados nos últimos anos envolveram empreiteiras flagradas na Lava Jato por colaborarem de corpo e alma com o projeto de poder lulopetista em troca de contratos e benefícios. Desde aquela época, os petistas argumentam que punir as empresas prejudica a economia – como se o castigo exemplar de quem lucrou com a corrupção fosse um absurdo.
Os acordos de leniência fechados pela UTC Engenharia, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e OAS somaram R$ 8,1 bilhões, dos quais pouco mais de R$ 1 bilhão foi quitado. Ao confessarem condutas ilícitas, com a formação de um cartel para fraudar contratos e pagamento de propina a agentes públicos, essas empreiteiras tiveram condenações mais brandas e se comprometeram a pagar multas em acordos que envolveram a Advocacia-Geral da União (AGU), a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF) e a Justiça.
Não deixa de chamar a atenção que o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, seja hoje o principal articulador da proposta de revisão dos acordos de leniência. Dantas foi um dos principais defensores de sanções ainda mais severas que aquelas definidas nos acordos de leniência. Em abril de 2017, ele disse ao Estadão que os valores financeiros dos acordos eram apenas um “aperitivo da refeição completa”, e sugeriu que se avançasse sobre o patrimônio dos acionistas caso as empreiteiras falissem antes de quitar os compromissos. É uma notável mudança de opinião.
Mesmo com um prazo bastante favorável para pagar as multas, variando entre 16 e 28 anos, algumas dessas empreiteiras entraram em processos de recuperação judicial. Isso, em tese, pode indicar a necessidade de aperfeiçoamentos na Lei Anticorrupção (12.846/2013), que criou a figura do acordo de leniência. Afinal, se os acordos não têm a intenção de salvar as empresas, tampouco têm o objetivo de quebrá-las. No entanto, qualquer alteração na legislação não pode ignorar o fato de que os acordos de leniência são uma forma de responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Permitir às empresas que voltem a executar obras sem participar de um processo licitatório, como parece ser o caso, não apenas não configura punição, como vai de encontro ao interesse coletivo. Não é por outra razão que a Constituição estabelece a licitação como regra na administração pública, com poucas exceções claramente dispostas em lei.
Também é importante lembrar que o próprio TCU impôs desafios à atuação dessas companhias. A emissão de declarações de inidoneidade pela Corte de contas as impedia de participar de licitações com a administração pública, e o risco reputacional dessa certidão dificultava que as construtoras tivessem acesso a crédito e fechassem contratos com o setor privado. Novamente, seria bom que o TCU explicasse essa mudança de posição.
É preciso ir devagar com o andor. O fato de que a proposta de revisão dos termos dos acordos de leniência foi defendida na primeira semana de governo sugere que ela foi gestada há mais tempo – e por outros motivos que não a retomada de obras públicas paradas.