Troca de comando foi o primeiro passo para recuperar imagem do Exército
(Camila Rocha, Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, na Folha, em 22/01/2023)
As Forças Armadas costumavam ser percebidas pela maioria dos brasileiros como uma instituição digna de confiança. Hoje, a instituição transmite insegurança, irresponsabilidade e falta de patriotismo.
Em 2018, um levantamento do Latinobarômetro apontava que 58% da população confiava nos militares. Tal índice ficava atrás apenas da confiança depositada na Igreja Católica, e era fonte de orgulho nas casernas.
Contudo, o que explicava o contentamento com a instituição não era seu desempenho na defesa do país, mas sua atuação na área de assistência social. Atividades subsidiárias relacionadas à distribuição de cestas básicas, à vacinação em áreas de difícil acesso, solicitude aos vizinhos de quartéis, entre outras, eram tidas como demonstração de uma preocupação legítima em auxiliar as populações mais vulneráveis do país.
A atuação do general Eduardo Pazuello é exemplar nesse sentido. Sua gestão no Ministério da Saúde foi desastrosa, e sua participação em um ato político ao lado de Jair Bolsonaro em maio de 2021 foi desculpada pelo Exército quando deveria ter sido punida.
Logo após a decisão equivocada do Alto-Comando do Exército, o deputado federal e ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o debate sobre a PEC que proíbe que militares da ativa ocupem cargos de natureza civil na administração pública deveria ser acelerado.
A imagem pública da instituição se deteriorou ainda mais com o apoio explícito de vários militares à campanha promovida por Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e com a condescendência diante de atos que vinham demandando publicamente uma intervenção militar. Após o fim das eleições, a maioria da população ficou estarrecida com a conivência explícita de militares com centenas de golpistas acampados nas imediações de quartéis.
Na época, 75% dos brasileiros eram contra os acampamentos e bloqueios de estrada e defendiam a punição das pessoas envolvidas nos atos antidemocráticos, como aponta pesquisa do Datafolha publicada em dezembro de 2022. No entanto, isso pouco afetou a decisão dos militares de dar guarida a pessoas com condutas abertamente criminosas. Afinal, a despeito de se apresentarem como “pacíficos”, os protestos visavam a abolição do Estado de direito, algo intolerável sob a ordem democrática e passível de ser punido com prisão.
Porém, se 21% dos brasileiros ainda viam com bons olhos os atos antidemocráticos, o cenário mudou depois de 8 de janeiro. Uma parcela expressiva do eleitorado de Bolsonaro passou a condenar de forma veemente a conduta de militares envolvidos direta ou indiretamente com o ocorrido e a demandar que sejam responsabilizados com perdas de cargos e prisões.
Em sua visão, Lula se fortaleceu publicamente ao atuar como estadista em prol da democracia em conjunto com todos os governadores e demais Poderes. Já a imagem das Forças Armadas se encontra fragilizada e desprestigiada sob o vidro estilhaçado pelo golpismo. A troca de comando do Exército foi o primeiro passo para transformar tal cenário.