Lula tomou a decisão correta, no momento mais que oportuno. Caso não o fizesse, o presidente abriria um perigoso flanco para a quebra da hierarquia e restaria vulnerável, antes de completar um mês de mandato, a toda sorte de chantagens por parte de militares pouco ciosos de suas obrigações estatutárias e constitucionais.
No breve período em que esteve à frente do Exército, o general Arruda impediu que a Polícia Militar de Brasília prendesse golpistas que se homiziaram num acampamento em frente ao quartel-general do Exército após a invasão das sedes dos Poderes. A inaceitável tolerância do general Arruda com o golpismo, para dizer o mínimo, ajudou a transformar os arredores da sede do Exército em um valhacouto de sediciosos.
O ex-comandante ainda opôs resistência à exoneração, do 1.º Batalhão de Ações de Comando, do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro na Presidência. Houve muitos pedidos do governo Lula para que a nomeação de Cid fosse cancelada, não só por se tratar de notório bolsonarista, mas porque sobre ele recaem suspeitas de transações obscuras com o cartão corporativo da Presidência. O Palácio do Planalto, contudo, foi olimpicamente ignorado pelo general Arruda.
Além disso, Lula nutria fundada desconfiança de que, sob o comando do general Arruda, o Exército não agiu para impedir nem para repelir a intentona de 8 de janeiro. Ou seja, não havia alternativa ao presidente que não fosse a substituição imediata do comandante da Força Terrestre. Era isso ou o derretimento de sua autoridade.
Um dos mais prementes desafios de Lula é a despolitização das Forças Armadas, o que significa impedir que saiam dos trilhos da Constituição. O poder militar se submete ao poder civil, eleito pelo povo, mas durante o governo Bolsonaro esse pilar democrático foi posto à prova por uma espécie de mutualismo antirrepublicano. Bolsonaro usou os militares para ameaçar a Nação em defesa de seus interesses, com a pretensão de fazer das Forças Armadas sua guarda pretoriana; e por alguns militares Bolsonaro foi usado em troca de poder e privilégios que em nada se coadunam com a República.
Nos últimos quatro anos, alguns integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica se deixaram seduzir por uma ideia de ascendência sobre os rumos do País que nenhuma das três Forças tem à luz da Constituição. Eis o buraco em que o bolsonarismo nos meteu, do qual só será possível sair tendo à frente das três Forças militares inequivocamente comprometidos com os ditames da Lei Maior.
A escolha do general Tomás Miguel Ribeiro Paiva para comandar o Exército, anunciada pelo governo, parece respeitar esse imperativo. Dez dias depois da intentona golpista em Brasília, o general Tomás, em discurso para a tropa no Comando Militar do Sudeste, declarou, com todas as letras, que o resultado da eleição presidencial deve ser acatado e que o Exército, como instituição de Estado que é, deve se manter afastado das lides políticas, próprias da vida civil.
A democracia, lembrou o general, “é o regime do povo”, com “alternância de poder”. Referindo-se aos militares, disse que “nem sempre a gente gosta” do resultado da eleição, mas “tem que respeitar” – e acrescentou: “Esse é o papel da instituição de Estado, da instituição que respeita os valores da pátria. Somos Estado”. Trata-se de uma obviedade, mas, nos dias que correm, tal declaração é um alento.
Além de convicção democrática, o general Tomás demonstra ter profundo respeito ao Exército. Sob seu comando, a instituição decerto estará menos exposta à nefasta influência de Bolsonaro, alguém que antes de tudo foi um mau militar, e continuará a servir ao País nas estritas atribuições que lhe são dadas pela Constituição.