Coronéis da reserva do Exército nomeados para diretorias do Ibama durante a gestão Bolsonaro deixaram de executar plano que previa a retirada dos garimpeiros da terra indígena
Militares da reserva que atuaram em diretorias do Ibama durante a gestão Jair Bolsonaro (PL) chegaram a ter, em mãos, um plano de ação para entrar na terra indígena Yanomami, em Roraima, e agir para reprimir o garimpo que atua na região. Esse plano, porém, nunca foi executado.
Os responsáveis por fazer com que as medidas fossem efetivamente realizadas eram dois coronéis da reserva do Exército que foram nomeados pelo ex-ministro do Meio Ambiente (MMA) Joaquim Leite. Trata-se do militar Samuel Vieira de Souza, que comandou a Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama; e de Aécio Galiza Magalhães, que foi coordenador geral de fiscalização ambiental do órgão ambiental.
Samuel Vieira de Souza entrou para o governo como assessor de gabinete do ex-ministro do MMA Ricardo Salles. Ele assumiria o posto no Ibama em julho de 2021, um mês depois de Salles ser exonerado do comando do ministério, em meio a investigações da Polícia Federal sobre supostos crimes ambientais cometidos durante a sua gestão.
Em maio do ano passado, a Justiça Federal em Roraima determinou que a União, o Ibama e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) se articulassem para atuar de forma conjunta no combate aos crimes que dominam a terra indígena Yanomami. A decisão foi tomada após uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em Roraima, que solicitava a retomada das operações policiais para retirada de invasores que promovem o garimpo ilegal na terra indígena. Na ocasião, o pedido apontava que os órgãos do governo federal vinham desrespeitando decisões judiciais anteriores que impuseram a retirada de todos os garimpeiros da terra indígena, sob pena de serem multados R$ 1 milhão.
Um plano de ação chegou a ser elaborado por membros do Ibama e do MPF, mas nunca saiu do papel. Em um documento com menos de dez páginas, membros do Ibama elencaram medidas que deveriam ser tomadas durante um período de seis meses, envolvendo ações para sufocar a logística do crime, como a proibição da entrada de alimentos e combustível, além da destruição de máquinas do garimpo. Sem o plano em execução, servidores do Ibama que tinham algum poder de decisão chegaram a realizar algumas operações pontuais na terra indígena, mas sem atuação ostensiva.
A omissão poderá ter desdobramentos. O MPF denunciou, nesta semana, que foi ignorado pelas autoridades responsáveis em relação a uma série de providências que cobrava. O governo Bolsonaro sabia das deficiências na prestação dos serviços de saúde, inclusive o desabastecimento de medicamentos.
O MPF sugeriu a contratação de mais profissionais de saúde e chamou atenção para a alta incidência de malária, mortalidade e desnutrição infantil. Nada foi feito. Ontem, procuradores do MPF denunciaram que o Ibama, de fato, deixou de agir e executar seu plano, como estava previsto.
Questionada pela reportagem, a nova chefia do Ibama, que hoje está sob o comando do presidente interino Jair Schmitt, declarou a nova orientação do governo é que “a situação na terra indígena Yanomami seja tratada com prioridade” e que o órgão vai concentrar esforços para atuar na região. O Estadão tenta contato com os militares.
O ex-ministro Ricardo Salles declarou que não tinha conhecimento do plano de ação da terra Yanomami e que a atuação de seu ex-assessor de gabinete no Ibama se deu após a sua saída do ministério. A reportagem não conseguiu contato com o ex-ministro Joaquim Leite, nem com os militares Samuel Vieira de Souza e Aécio Galiza Magalhães.
A Polícia Federal abriu investigação sobre a crise humanitária na terra indígena Yanomami. O inquérito vai tramitar em sigilo, na superintendência da corporação em Roraima. O objetivo é saber se a comunidade foi vítima de genocídio, omissão de socorro e crimes ambientais no governo Bolsonaro. A ordem para instaurar o inquérito partiu do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). esteve na terra Yanomami no sábado, 21. A grave crise humanitária e nutricional que levou à morte de cerca de 570 crianças, além de adultos, nos últimos quatro anos. As estimativas apontam que há mais de 20 mil garimpeiros na reserva, quase o mesmo tamanho da população de 28 mil indígenas na região.