Antes tarde do que nunca

By | 28/01/2023 7:19 pm

Depois do 8 de janeiro, Aras deflagrou iniciativas em defesa da democracia que há muito deviam estar em funcionamento. A PGR tem de servir à lei, e não a interesses de ocasião

(OPINIÃO DO ESTADÃO, em 28/01/2023)

 

Imagem ex-libris

Os atos de 8 de janeiro puseram por terra a particular percepção de Augusto Aras de que não havia nada de anormal ocorrendo no País. Desde então, o procurador-geral da República deu início a uma série de iniciativas que, a bem da verdade, deveriam estar em funcionamento havia muito tempo. De toda forma, é preciso reconhecer: antes tarde do que nunca.

No dia 10 de janeiro, Augusto Aras instituiu, no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Comissão Temporária de Defesa da Democracia. Segundo o comunicado oficial, o objetivo da comissão é acompanhar a atuação do Ministério Público na defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito. Ora, era exatamente sobre isso que a sociedade vinha questionando a Procuradoria-Geral da República (PGR) desde 2019. Se a missão constitucional do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, o que a PGR fez diante das várias afrontas e ameaças antidemocráticas de Jair Bolsonaro e de seus seguidores?

Outra iniciativa de Augusto Aras depois dos atos de 8 de janeiro foi a criação do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, destinado a coordenar as ações e o trabalho de investigação dos crimes junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e às demais instâncias de atuação do Ministério Público Federal (MPF). Segundo a Portaria 24/2023, a participação da PGR no caso faz-se necessária diante da necessidade de identificar “autoridades com prerrogativa de foro que tenham participado, cooperado ou incentivado os atos antidemocráticos”.

Aqui, uma vez mais, fica evidente a incrível cegueira da PGR até o dia 8 de janeiro. Há muito tempo eram abundantes os indícios de que autoridades com foro privilegiado estavam participando, cooperando e incentivando eventos e ameaças contra o regime democrático. Que a PGR, despertada pela brutalidade dos atos de 8 de janeiro, não atenue a responsabilidade dessas pessoas e tome as medidas legais cabíveis.

No dia 16 de janeiro, o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos apresentou a primeira denúncia contra 39 pessoas envolvidas na invasão e depredação das dependências do Senado Federal no dia 8 de janeiro. Na ação, foi pedido o bloqueio de R$ 40 milhões em bens dos investigados, para reparar danos materiais e morais.

Entre os crimes elencados na acusação estão associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União. A mera lista dos tipos penais revela a gravidade das ações dos bolsonaristas e, por consequência, a gravidade das atenuações feitas ao longo desses três anos e meio pelo procurador-geral da República, afirmando que tudo estava em ordem. Recorde-se que, para Augusto Aras, o 7 de Setembro do ano passado, capturado pelo presidente Bolsonaro para fins eleitorais, foi “pacífico e ordeiro, sem violência”, ignorando a grande tensão que cercou a cerimônia, que exigiu medidas extraordinárias de segurança.

O País precisa de um Ministério Público atuante e impessoal, que cumpra zelosamente suas funções institucionais. Nos últimos anos, a PGR foi palco de atuações pouco alinhadas aos trilhos constitucionais, seja com os excessos de Rodrigo Janot, seja com as omissões vistas até o fim de 2022. Não é papel do órgão arbitrar pendências políticas ou promover a judicialização de assuntos que, num regime democrático, devem ser decididos pelo Legislativo. Mas também não é sua função proteger o presidente da República ou fazer a representação da categoria, como almejam os defensores da lista tríplice para o cargo de procurador-geral da República.

A missão do Ministério Público é servir à lei e, para tanto, ele não pode estar subordinado a interesses políticos ou corporativistas. Os atos de 8 de janeiro explicitaram a relevância do seu trabalho – e da sua omissão.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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