Equilíbrio tortuoso

By | 29/01/2023 9:28 am

Disputas na Câmara e no Senado se arranjam entre o pragmatismo e o fisiologismo

 

(Editorial da Folha, em 28/01/2023)

 

Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Senado, e Arthur Lira (PP), presidente da Câmara – Ueslei Marcelino/Reuters

Arthur Lira (PP-AL) já era o favorito na disputa em que tentará a reeleição como presidente da Câmara dos Deputados, mas, como quem não quer dar espaço para zebras, tratou de pôr a mão no bolso para convencer seus colegas a lhe assegurar vitória sem sobressaltos.

Já seria bastante ruim se esse bolso fosse o dele próprio, pois nada há de republicano em uma prática que, sem meias palavras, significa comprar os votos de parlamentares em disputa interna do Legislativo.

Mas a atitude é pior: o deputado está usando o dinheiro do contribuinte para distribuir benesses injustificáveis em qualquer país civilizado, ainda mais em um que sofre com desigualdades tão profundas quanto o Brasil.

A proverbial cortesia com o chapéu alheio —ou, em termos mais afeitos à realidade política nacional, o mensalão do Lira— funciona de modo simples: o presidente da Câmara ampliou o auxílio-moradia e o reembolso de combustível para os deputados e, além disso, deu-lhes de brinde quatro trechos de bilhetes aéreos por mês.

Não admira que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha preferido não desafiar as pretensões de Lira de se manter à testa da Câmara. O PT, afinal, sofreu duas vezes quando, estando na chefia do Executivo, tentou interferir na eleição do Legislativo.

Em 2005, no primeiro mandato de Lula, o petista Luiz Eduardo Greenhalgh perdeu para o obscuro Severino Cavalcanti, do PP. Dez anos depois, no segundo governo de Dilma Rousseff (PT), o governista Arlindo Chinaglia ficou atrás de Eduardo Cunha, do PMDB —personagem que comandou o impeachment da petista no ano seguinte.

A experiência também guiou Lula na briga pelo comando do Senado, onde o atual presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), desponta como favorito mesmo sem recorrer às prestidigitações de Lira.

Há, por óbvio, mais do que trauma no cálculo de Lula. Ele sabe que, se o PT lançar candidatos no Congresso e perder, terminará com baixa presença na Mesa Diretora e nas comissões mais importantes.

Mas, ao apoiar os prováveis vencedores, garante posições estratégicas dentro do Parlamento.
Bem ou mal, o arranjo institucional brasileiro força um desejável equilíbrio entre os Poderes, de modo que o Executivo não consegue avançar sua pauta sem antes negociá-la com o Legislativo.

Como o exemplo de Lira demonstra, contudo, esse equilíbrio não raro resulta mais do fisiologismo que de uma convergência democrática de interesses em torno de uma agenda benfazeja para o país.

editoriais@grupofolha.com

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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