Os dedos do governo Bolsonaro atuam em várias frentes na tragédia dos yanomamis
(Joel Pinheiro da Fonseca, Economista, mestre em filosofia pela USP, no Estadão, em 30/01/2023)
De 1848 a 1855, a “corrida do ouro” da Califórnia levou milhares de garimpeiros sedentos por ouro para o novo estado recém-conquistado na guerra contra o México. No processo, dezenas de milhares de indígenas foram mortos por violência, epidemias e fome. O “genocídio da Califórnia”, como ficou conhecido, teve participação direta inclusive de agentes do Estado norte-americano.
O governo Bolsonaro não mandou homens armados, não comandou garimpeiros, não despejou diretamente mercúrio nos rios nem carregou o protozoário da malária para matar os yanomamis. Ao deixar que a corrida do ouro da Terra Indígena Yanomami ocorresse com mais liberdade do que nunca, no entanto, e ao sonegar medidas de cuidado básico com a população indígena, produziu o mesmo resultado.
Bolsonaro sempre deixou clara sua atitude quanto aos povos indígenas: ou se integram à sociedade ou o trator do “progresso” passará por cima. Em 1992, propôs um projeto de lei pela extinção da terra yanomami. Já presidente, reuniu-se com madeireiros e garimpeiros para liberar a exploração econômica das terras indígenas. Declarava com orgulho que Roraima era um estado “engessado por política indigenista, política ambiental e direitos humanos”. Ele sem dúvida tirou o gesso. Pelo bem dos indígenas, é claro, como a situação humanitária dos yanomamis nos últimos anos deixa evidente.
O garimpo cresceu mais de 3.350% de 2016 a 2022 na região (dados do relatório “Yanomami sob Ataque”, da Hutukara Associação), agora com financiamento de facções do tráfico de drogas. Com os mais de 20 mil garimpeiros na terra, vem não apenas o envenenamento dos rios com mercúrio —mais da metade da população yanomami tem níveis de mercúrio no sangue acima do limite. Também a malária —que infectou 40% da população em 2022, causando mortes e impedindo o trabalho. Sem falar da exploração sexual, a chantagem com dinheiro e bebida, a ameaça e o homicídio.
Não sei o que mais surgirá das investigações, nem como os indícios coletados serão julgados por instâncias nacionais e internacionais. Se Bolsonaro é responsável pelo crime de genocídio, pelo mais genérico “crime contra a humanidade”, ou se é inocente. Uma coisa, contudo, já podemos dizer: a destruição dos yanomamis e outros povos é o que ele sempre quis e é o que seu governo promoveu com muita eficiência. Com mais quatro anos, talvez completasse a missão.