A preparação da tragédia dos Yanomamis

By | 31/01/2023 6:35 am

A falta de apoio do governo federal às comunidades indígenas contribuiu para se chegar ao quadro que hoje se observa

 

(Jorge J. Okubaro, jornalista, é editorialista do jornal O Estado de S.Paulo. Jorge J. Okubaro, em 31/01/2023)

Foto do autor: Jorge J. Okubaro

Uma tragédia humanitária como a que levou grande sofrimento à população Yanomami e consternou o País não é resultado do acaso, nem emerge com rapidez. Foi, por ação ou omissão de autoridades federais, construída ao longo de anos. Seus responsáveis precisam ser identificados e punidos de acordo com a lei.

A situação do povo Yanomami tornou-se um retrato pungente, mais um, do descaso do governo de Jair Bolsonaro com a vida humana. Há registros da atuação de militares em órgãos públicos que atuam na área indígena na função de fiscalização ou na de prestação de serviços de saúde e de assistência, mas eles falharam miseravelmente. Há dias, o Estadão e outros jornais publicaram notícias nas quais fica claro o envolvimento de militares. Por uma delas, fica-se sabendo que militares que dirigiram o Ibama ignoraram planos de socorro dos Yanomamis; em outra, se informa que militares receberam dinheiro de garimpeiros que atuam ilegalmente na região desses indígenas.

Talvez não devêssemos nos surpreender com informações como essas. Preparados para a missão constitucional de garantir a soberania nacional e os Poderes da República, os militares têm diferentes habilidades, mas entre elas dificilmente se poderia imaginar que estivesse a de dirigir organizações do Estado destinadas a proteger a população indígena dos agravos da vida. O governo anterior, no entanto, utilizou militares para ocupar espaços em todas as áreas da administração pública e com intensidade não vista na história recente, com resultados lamentáveis.

Na terra Yanomami, quase cem crianças morreram no ano passado por causa de doenças como pneumonia, diarreia e desnutrição. Foram registrados 11,5 mil casos de malária. Faltavam remédios e profissionais de saúde. Isso aconteceu porque “o governo abandonou a população Yanomami”, disse Dário Kopenawa, da liderança Yanomami e filho de Davi Kopenawa, um dos principais defensores da demarcação das terras indígenas. Por conta das mortes de crianças, o governo federal – o atual, claro – decretou emergência em saúde na reserva Yanomami, para o emprego urgente de medidas de prevenção e contenção de danos à saúde pública decorrentes de falta de assistência à população.

Além da indignação que causou entre os cidadãos preocupados com a vida humana, esse quadro levou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes a observar que “é uma tragédia muito grande para acreditarmos que foi improvisada”. As dificuldades enfrentadas pelos povos originários não são novas. Mas o governo Bolsonaro as tornou piores.

A omissão do governo federal no combate ao garimpo ilegal resultou no avanço da atividade na área Yanomami nos últimos anos. Destruição das roças das comunidades indígenas, contaminação dos rios com mercúrio, fuga de animais que servem de alimento à população local estão entre as consequências da inação das autoridades federais na região. Violência, mudanças culturais e contaminação por doenças trazidas pelos garimpeiros e por pessoas atraídas pelo avanço da mineração são outras consequências. A falta de apoio do governo federal às populações locais contribuiu para se chegar ao quadro que hoje se observa.

O STF detectou indícios de que o governo de Jair Bolsonaro deu informações falsas à Justiça sobre a situação do povo Yanomami e não cumpriu uma série de determinações judiciais. Ações de saúde e de vigilância alimentar e nutricional, bem como operações contra o garimpo ilegal determinadas pela Suprema Corte foram deficientes ou não seguiram o que estava planejado, diz nota divulgada pelo gabinete do ministro do STF Luís Roberto Barroso. “Em caso de identificação dos responsáveis, sofrerão o devido processo legal para punição”, completa a nota. Decerto há responsáveis pela situação grave que o atual governo constatou na reserva Yanomami.

Mas pode haver outros responsáveis. Por ordem do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Polícia Federal vai investigar a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami com o objetivo de saber se a comunidade foi vítima de genocídio, omissão de socorro e crimes ambientais durante o governo Bolsonaro. De acordo com a legislação brasileira comete crime de genocídio quem, entre outros atos, “matar membros do grupo”, “causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo” ou “submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial” com a “intenção de destruir grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Limitação ou suspensão da entrega de medicamentos e equipamentos de saúde, estímulo a garimpeiros e madeireiros ilegais e descaso de governos estaduais estão entre outros atos ou omissões que contribuíram para o desastre na terra Yanomami e que precisam ser investigados para a devida responsabilização daqueles que os praticaram. Só assim se começará a superar esse episódio que chocou o País e o cobriu de vergonha diante do mundo.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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