O resultado das eleições que definirão o comando do Congresso, amanhã, quarta-feira, 1.º, é decisivo para o Palácio do Planalto montar seu jogo político. Mesmo sem as verbas do orçamento secreto, os presidentes da Câmara e do Senado mantêm uma força e protagonismo que exigirão esforço redobrado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para consolidar sua base aliada e garantir a governabilidade. O cenário forçará Lula a fazer uma negociação no varejo com deputados e senadores a partir desta semana. Arthur Lira (PP-AL) já é dado como reeleito na chefia da Câmara. No Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ainda é o favorito, mas a candidatura de Rogério Marinho (PL-RN) tem crescido. O novo Parlamento tem perfil conservador e protagonismo do Centrão reforçado. O grupo político comandado por PP e PL tem 235 votos na Câmara. Já a esquerda apenas 124.
Lula conseguiu recuperar parte do poder sobre os recursos federais com a decisão do Supremo Tribunal Federal de derrubar o orçamento secreto, esquema de compra de votos criado no governo de Jair Bolsonaro. O duto de verbas revelado pelo Estadão praticamente terceirizava a função do Executivo no planejamento da distribuição dos recursos de investimentos. A correlação de forças no Congresso, entretanto, permanece a mesma dos últimos quatro anos, com Arthur Lira à frente de uma rede robusta de aliados. Agora, o Planalto aposta em uma negociação com os parlamentares um a um para evitar uma tutela do maior líder do Centrão, o bloco dos partidos fisiológicos.
O governo não terá apoio irrestrito dos partidos que não estiveram com o PT na eleição do ano passado. O direcionamento de recursos para as bases eleitorais e a ocupação de cargos na administração pública são os dois maiores instrumentos de negociação política para a formação da coalizão.
As emendas parlamentares seguem capturando boa parte do caixa da União. Os números do Orçamento explicam esse cenário. Tanto o governo como o Legislativo têm mais dinheiro nas mãos, mas desta vez o poder está mais equilibrado. Com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada antes da posse de Lula, o governo federal terá R$ 71 bilhões para investir em obras públicas e programas estratégicos neste ano. Desse total, 29% estão nas mãos dos parlamentares, responsáveis por indicar o destino final do dinheiro. Até o ano passado, o governo tinha um valor menor, de aproximadamente R$ 40 bilhões, com o Congresso dominando 40% do total.
Internamente, as emendas parlamentares também ficaram mais pulverizadas, diminuindo o domínio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que controlava o orçamento secreto e escolhia quem ficava com a bolada, conforme os acordos internos e a adesão à pauta do governo. Para este ano, as emendas individuais, aquelas indicadas por cada deputado e senador, aumentaram, com direito a R$ 6,7 bilhões repassados via emenda PIX, uma modalidade sem transparência nem controle dos órgãos de fiscalização. As emendas de comissão também cresceram, chegando a R$ 7,6 bilhões após terem sido zeradas no governo anterior. Com o retorno das comissões funcionando e votando projetos, após um período de ressaca na última legislatura, o poder fica mais dividido. Ainda assim, os presidentes das Casas seguem controlando a pauta de votações.
Os parlamentares eleitos nas urnas são responsáveis por votar leis que mexem diretamente na vida dos brasileiros. Para o bem e para o mal. Em 2010, por exemplo, o Congresso aprovou uma lei que determinava o fim dos lixões em quatro anos. O objetivo era acabar com a destinação inadequada dos resíduos sólidos, situação que afeta diretamente o meio ambiente e a saúde das pessoas. O município que não cumprisse o prazo e deixasse de dar um destino correto para o lixo ficaria sem recursos federais. O prazo foi sendo adiado, e no ano de 2010, os parlamentares aprovaram o projeto adiando o fim dos lixões para 2024 em municípios com população inferior a 50 mil habitantes, o que representa 80% das cidades brasileiras.
Homens brancos
O perfil dos deputados e senadores que votarão cada lei e cada mudança na Constituição a partir desta semana não foge à regra das últimas legislaturas. Enquanto a maioria da população é formada por mulheres, negros e a renda média é próxima a um salário mínimo, na Câmara 83% dos deputados são homens, 72% são brancos e um terço (33%) tem um patrimônio acima de R$ 1,7 milhão. A taxa de reeleição foi de 56,5%, ou seja, a maioria dos parlamentares ocupou o mandato na última Legislatura, durante o governo Bolsonaro. Além disso, as trocas de cadeiras escondem uma renovação efetiva de apenas 8%. Tirando 39 deputados e um senador que assumirão o mandato nesta semana, todo o restante é político, já ocupou cargo eletivo, cargo de primeiro escalão ou é herdeiro de clãs políticas.
Na primeira reunião que teve com ministros do governo, no dia 6 de janeiro, Lula já deu o tom para o primeiro escalão sobre a relação com o Legislativo. “Nós não mandamos no Congresso, nós dependemos do Congresso, e é por isso que cada ministro precisa ter a paciência e a grandeza de atender bem cada deputado, cada deputada, cada senador ou cada senadora que o buscar”, disse Lula. Dos 37 ministros de Lula, 14 são deputados ou senadores. Um deles, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), foi escolhido para a Secretaria de Relações Institucionais, e será responsável por fazer o diálogo direto com os parlamentares e os senadores. Outro ministério chave nesse processo é a Casa Civil, comandada pelo ex-governador da Bahia Rui Costa (PT), que faz o pente-fino em todos os cargos federais e avalia as indicações políticas para esses postos.
Forças políticas
De perfil mais conservador, o novo Congresso é formado por sete grandes forças que controlam a pauta e influenciam diretamente na relação dos deputados e senadores com o governo, incluindo governistas e a oposição. Despontam o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que deve ser reeleito para mais dois anos no comando da Casa, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se aproximou da base de Lula para também ser reconduzido.
Lideram a oposição o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que controla as bancadas do partido nas duas casas e tenta eleger o senador Rogério Marinho (PL-RN) como presidente do Congresso, e o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), que volta ao Senado após chefiar a Casa Civil do governo Bolsonaro. Juntas as siglas do Centrão conseguiram eleger 235 deputados. Na disputa para o Senado, dos 27 novos integrantes, 13 se alinham com posições da gestão que deixou o Planalto. Bolsonaro conseguiu eleger nomes como seu vice Hamilton Mourão e a ex-ministra Damares Alves. Entre os novos senadores está também o ex-juiz Sérgio Moro.
Na base de apoio, está a bancada do PT, outra força do Congresso e vinculada diretamente à figura do presidente da República. Completam a lista o deputado Elmar Nascimento (União-BA) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP). No União Brasil – o terceiro maior partido do Legislativo – e hoje são os aliados mais fortes de Lira e Pacheco, respectivamente, coordenando suas bancadas e interferindo na escolha de cargos federais em troca de votos. O partido é um pêndulo na atual composição de forças do parlamento.
Disputa ferrenha
No day after da eleição dos presidentes e dos integrantes das mesas diretoras da Câmara e do Senado, as principais forças começarão uma disputa ferrenha pelo controle das comissões do Congresso. Esses colegiados voltarão a ter protagonismo, após um período de ressaca nos últimos quatro anos. As comissões não funcionaram durante o pico da pandemia de covid-19 e foram reabertas sem votar projetos relevantes. Além disso, tiveram as emendas no Orçamento reduzidas a zero. Agora, as comissões voltaram a ter dinheiro e pauta na agenda, o que aumenta a cobiça pelos cargos nesses grupos.
Os colegiados mais disputados são a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a CCJ do Senado e a Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso. As duas primeiras são responsáveis por chancelar as principais propostas de lei e de mudanças na Constituição antes do plenário em cada uma das casas. A CMO, por sua vez, formada por deputados e senadores, é por onde passam o Orçamento da União proposto pelo governo e as emendas parlamentares, principal instrumento político dos congressistas para fidelizar suas bases eleitorais nos Estados e municípios.
As comissões de Direitos Humanos e Relações Exteriores das duas casas também entram na lista de prioridades, ao serem ocupadas por congressistas que militam nessas áreas e buscam ter protagonismo ao comandar os colegiados. Há ainda a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, com o poder de conceder empréstimos para os Estados e avaliar a pauta econômica, e a Comissão de Desenvolvimento Regional da Casa, que interfere em obras e projetos de interesse direto dos parlamentares nos Estados e municípios. A eleição das presidências da Câmara e do Senado, nesta quarta, não encerrará a negociação pelas comissões, que devem seguir em disputa até março, mês previsto para serem instaladas e começar os trabalhos.