(Damião Lucena, jornalista e historiador, no Capítulo XII, do livro Patos de todos os tempos*)
De cor preta, 45 anos no início da década de 20, do século XX, era exímio cantador na cidade de Patos, com uma diferença em relação aos demais poetas: só conseguia soltar o dom, quando ingeria alguns goles de álcool. A definição deste poeta é encontrada em trecho do folclorista Leonardo Motta: “Foi com uma voz interior a me segregar a proficuidade de minha estadia no município de Patos que cheguei, uma tarde, a essa hoje importante cidade parahybana, em companhia do advogado João Carneiro, residente em Pombal e proprietário do “Correio da Manhã”, que se edita na Capital. Severino Perigo, hábil pedreiro, não é um cantador profissional. Prefere repetir cantigas que aprendeu a mostrar as próprias aptidões poéticas. Dá-se a cantoria quando está alcoolizado, o que, em verdade, não acontece só uma vez em cada ano… O chefe político coronel Miguel Sátyro, o juiz de direito Dr. Fenelon Nóbrega, o vigário padre José Viana e o prefeito municipal Dr. José Peregrino esforçaram-se porque eu o ouvisse. Propositalmente, foi retirado bom do trabalho, à vez primeira em que lhe falei. Então, afora os versos da peleja de Romano com Inácio da Catingueira e de Josué Romano com Francisco Carneiro, ministrou-me umas estrofes de desafio simulado, pois que não havia presente outro cantador com quem lutasse. Para conseguir que a língua se lhe desemperrasse, o animei previamente com uns goles de conhaque”. Em outro ponto, o folclorista referencia significativa amostra do poetar de autoria do próprio Severino Perigo:
Vou assentar o meu Marco,
Deixar minha divisão:
Ô meu Deus, dê-me um talento,
Igual vós deste a Sanção!
Dê-me Ciência pra obra,
Igual a Rei Salomão!
No pé desse Marco eu tenho
Um grande arrodeador:
Tem sala, tem camarinha,
Tem beco, tem corredor,
Tem cadeira para os home,
Tem tronco pros cantador.
Mandei ver um pau na mata,
Truxéro uma linha fina…
Trabalhou noventa dia
Cinquenta e dois carapina!
Com o espaço de três mez,
Me entregaram em quatro quina.
Aluguei dez inquilez,
Sujeitos de engenharia,
Por serem mestre de obra,
Senhor de sabedoria,
Só trabalharo dois ano:
Me entregaro a Maravia.
Aviso os meus camarada,
Advirto os meus amigo:
Quem pender lá pro meu Marco
Nunca mais conte comigo!
Boto o meu gigante atraz:
Morre gente, por castigo…
Só peço que não vão lá
Home, menino e Mulhé:
Em cada ponta do muro
Tem quatro mil cascavé,
Salamanta nos batente,
Rescano, de gereré.
Saiba Deus e todo mundo:
Meu Marco está assentado
Com orde do Imperadô,
Licença do Delegado!
Com dez légua de distânça,
Meu ronco é diferençado!…
Meu amo, dono da casa,
Licença quero Pedir
Primeiramente ao senhor
E aos mais que estão por aqui
Amanheci bem de corte,
Deixe um pouco eu divertir…
Eu, pegando uma viola,
Não sirvo de mangação:
Sou que nem onça no inverno
E cascavel no verão!
Cantador metido a duro
Me vem pedir a benção…
Gosto desta violinha,
Tem um toque moderado…
E mesmo assim neste tempo,
Com este inverno danado,
Não precisa comprar breu:
Os bordão véve afinado…
Inda eu caindo dos quarto,
Fico seguro das mão…
Trato bem pra ser tratado,
Carrego esta opinião!
Embora sem saber ler,
Governo todo o sertão.
Colega, pegue a viola
Que eu quero ver seu talento!
Sendo de metal, eu quebro,
Sendo de bronze, ispromento,
Sendo de aço, eu envergo,
Sendo de ferro, eu rebento.
O meu corpo é muito fixe,
A construção é segura,
A minha carne é traçada
E, além disso, é muito dura!
Você atira na bucha:
A bala bate e não fura…
A Sorte quem dá é Deus
E a vida o homem procura!
Já achei quem me chamasse
Coração de pedra dura:
Sou macho, não me desmancho,
Não me chamo “rapadura”.
*Quem estiver interessado em adquirir um exemplar da obra ‘Patos de todos os tempos’ pode se dirigir a Garagem Cultural, que fica na Rua Deodoro da Fonseca, nº 180, centro de Patos, ou solicitar pelo telefone (83) 98140-1462, em João Pessoa (83) 99991-2944.