As medidas anunciadas na terça-feira passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram positivas, sobretudo no aspecto da preservação da estratégia de política fiscal para 2023. Prevaleceu a posição da Fazenda, a despeito das opiniões contrárias à reoneração do PIS e da Cofins (dois tributos federais importantes para a arrecadação) sobre a gasolina e o álcool. A melhor política pública não é atender a todos os que batem à porta do governo, mas organizar e avaliar essas demandas com planejamento para gerar os melhores resultados à coletividade. Ponto para Haddad.
Esta novela dos combustíveis começou embalada por iniciativas populistas patrocinadas pelo governo anterior. Lá, a aproximação das eleições levou à redução dos impostos. A conta, como sempre, recai sobre toda a sociedade, que acaba subsidiando indiretamente o consumo de combustíveis. Pior, espetaram faturas por todos os lados, inclusive nos Estados, que se viram obrigados a fixar alíquotas incompatíveis com seus orçamentos aprovados para o ano.
Em São Paulo, naquele momento, eu era o secretário da Fazenda e nós cumprimos, sim, a legislação, mas advogamos no Supremo Tribunal Federal para obter as devidas compensações federais. Mérito do governador Rodrigo Garcia e de toda a equipe, sobretudo dos nossos auditores fiscais da Receita Estadual e procuradores do Estado, a quem não me canso de render homenagens. Uma burocracia weberiana de verdade.
O problema é que nem sempre o populista arca com suas estripulias. Não raro, as deixa como herança. É muito mais fácil assumir o discurso de que seria possível evitar a reoneração dos combustíveis sem prejudicar a saúde das contas públicas. Felizmente, prevaleceu, agora, a posição do Ministério da Fazenda, que fez cavalo de batalha e venceu.
Isso é bom não apenas porque restituirá uma montanha de receitas necessárias para garantir o financiamento de políticas públicas previstas no Orçamento de 2023, mas também pelo que simboliza para a frente. O mercado está à espera de um novo arcabouço fiscal, capaz de corrigir a confusão promovida no teto de gastos (limite para o crescimento das despesas) ao longo dos últimos anos.
O próprio ministro Fernando Haddad e sua equipe estão mais fortalecidos para apresentar uma proposta para as regras fiscais ao Congresso Nacional e, assim, dar a batalha pela sua célere aprovação. Mesmo raciocínio vale para a reforma tributária, em relação à qual sou mais cético, mas cujo debate precisa ser aprofundado no Parlamento. Ela teria o condão de corrigir uma série de distorções do sistema tributário do ICMS, tema que abordarei na próxima quinzena neste espaço.
Vamos aos números sobre a reoneração da gasolina, a partir das contas que fiz ontem para nossos clientes na corretora Warren Rena. Elas mostram que a nova alíquota de PIS/Cofins, de R$ 0,47 por litro, combinada com a alíquota de R$ 0,02 por litro para o álcool, produziria uma arrecadação adicional de cerca de R$ 20 bilhões, sob a hipótese de manutenção dessa lógica até o fim do ano. Para chegar aos cerca de R$ 29 bilhões esperados pelo governo no “pacote fiscal de janeiro”, faltariam, então, R$ 9 bilhões.
A medida complementar anunciada foi um imposto sobre as exportações de petróleo bruto com alíquota de 9,2%. As contas do governo indicam que seria possível arrecadar cerca de R$ 7 bilhões com essa alíquota. A nosso ver, ela precisaria ser um pouco mais alta, da ordem de 11%, para garantir os R$ 29 bilhões mencionados. No entanto, nada impede que se recalibrem esses valores ao longo do tempo, lembrando ainda que a tributação das exportações de petróleo será temporária, por quatro meses.
Pode-se argumentar que a reoneração promovida seria ruim para os consumidores. Será?
Ora, ruim para os mais pobres, isso sim, é jogar pela janela os recursos do erário com o objetivo de subsidiar consumo de combustível fóssil, diretriz do governo Bolsonaro. Era preciso escapar dessa esparrela, e Haddad conseguiu liderar o processo de saída, marcando um ponto de inflexão que será fundamental para projetar os próximos passos da política econômica e fiscal.
Winston Churchill cunhou uma expressão que deveria ser o mantra de todos os políticos sérios: jamais ceder, a não ser por convicções de honra e bom senso. Mesmo que possa parecer custoso defender a reoneração diante da população que abastece seus automóveis todos os dias e poderá enfrentar algum reajuste nos postos de gasolina, o correto a fazer é exatamente isso.
É garantir bilhões de reais que servirão para financiar auxílios sociais, gastos com saúde, educação, segurança, seguro-desemprego e tantas políticas previstas no Orçamento, sem prejudicar o equilíbrio fiscal. Mais: restabelecer o diferencial competitivo entre gasolina e álcool, em benefício do meio ambiente.
A melhor resposta da política não é necessariamente atender a todas as demandas que apareçam pela frente. A boa política é o oposto disso: fazer escolhas duras e mostrar como serão melhores e como ajudarão a promover maior bem-estar a todos, sobretudo para aqueles que mais dependem do Estado.
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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI