Nesta semana, o podcast Roteirices divulgou uma fala do general Paiva, feita no mesmo dia 18 de janeiro, para seus subordinados no CMSE. Ao contrário do que alguns insinuaram, essa fala mais longa – tem cerca de uma hora de duração – é também profundamente democrática e em nada contradiz o discurso feito em público.
“A gente (Forças Armadas) participou da comissão de fiscalização (das eleições). Não aconteceu nada”, disse o general a seus subordinados, em referência às alegadas fraudes. E insistiu que o resultado deveria ser acolhido, ainda que tenha frustrado “a maioria” dos militares, como ele enfatizou. A mensagem é cristalina: as eleições foram limpas e o respeito ao resultado das urnas não poderia depender da concordância pessoal com o candidato vitorioso.
De resto, ao comentar que Jair Bolsonaro era o candidato da preferência da maioria dos militares, o general Tomás fez apenas uma constatação óbvia. Contudo, não faltou quem tirasse a declaração do contexto para fazer parecer que o comandante do Exército exprimia resistência pessoal ao presidente Lula. A leitura do inteiro teor da fala, no entanto, mostra que o general estava justamente alertando que a percepção pessoal de seus subordinados pode não corresponder à realidade do País. Desconstruía, assim, a narrativa bolsonarista da suposta fraude nas urnas. “Todos nós somos da bolha fardada, da bolha militarista, da bolha de direita, conservadora. A maioria de nós é dessa bolha, raramente um de nós frequenta outra bolha”, disse, defendendo que essa circunstância não pode interferir no funcionamento constitucional – ou seja, apartidário – das Forças Armadas.
Faz muito bem, portanto, o Palácio do Planalto em não cair na manobra dos que tentaram usar a divulgação da fala como pretexto para criar atritos e tensões com as Forças Armadas.
O aspecto mais relevante da fala do general Tomás a seus subordinados é a defesa das Forças Armadas como instituição de Estado, e não de governo. O áudio vazado é importante diagnóstico do mal que Jair Bolsonaro causou nos quartéis, com sua incessante tentativa de usar as Forças Armadas para fins político-partidários.
O general Tomás citou, por exemplo, o constrangedor episódio no qual o então presidente Bolsonaro tentou organizar uma motociata partindo da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). O plano só não foi realizado porque os generais “conseguiram convencer o presidente que não era uma coisa adequada ter uma motociata, que é um ato político de apoio ao presidente, dentro da academia militar”.
Além de criticar o desfile de blindados da Marinha em Brasília no dia da votação no Congresso da PEC do Voto Impresso, em 2021, e a tentativa de usar o desfile militar do 7 de Setembro para fins eleitorais, em 2022, o general Tomás lamentou o modo como Jair Bolsonaro tratou o comando das Forças Armadas. “No governo passado, tivemos uma coisa pouco usual que foram as três mudanças de comandante de Força. Passamos pelo general Pujol, depois o general Paulo Sérgio e depois o general Freire Gomes”, relembrou. Todas as mudanças ocorreram depois de desgastes políticos causados por Jair Bolsonaro.
Nada disso faz bem às Forças Armadas. “Política partidária dentro da Força gera desgaste”, disse o general Tomás. O alerta é necessário. Foi um tremendo erro de avaliação achar que “um mau militar” – nas palavras de Ernesto Geisel – poderia ser um bom representante dos interesses dos militares. A caserna não é para fazer política. Coragem não é fazer ameaça, seja de bomba em quartel, seja de golpe de Estado. “Coragem é se manter como instituição de Estado, mesmo que custe alguma coisa de credibilidade e popularidade”, disse o comandante do Exército. Mais constitucional e republicano, impossível.