Primeira mulher trans é eleita vice-diretora da centenária Faculdade de Direito do Recife; ‘Podemos estar em qualquer lugar’, diz (seguido de comentário nosso)

By | 08/03/2023 8:49 am

(Ricardo Novelino, g1 PE, 08/03/2023)

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Por trás dos portões centenários da Faculdade de Direito do Recife (FDR), no Centro da cidade, sopram ares de vanguarda. Pela primeira vez em 195 anos, a instituição, que teve alunos ilustres como Joaquim Nabuco, Miguel Arraes e Marco Maciel, conta com uma mulher trans na vice-diretoria. Antonella Galindo assumiu publicamente a identidade de gênero há pouco tempo, mas já faz história.

Nesta quarta (8), Dia Internacional da Mulher, o g1 publica matérias especiais sobre pessoas que se destacaram em suas atividades e contribuem na luta pela igualdade de gênero.

Formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e com um currículo que inclui mestrado e doutorado, Antonella também é a primeira professora trans da Faculdade de Direito do Recife, ligada à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Eleita em 13 de fevereiro deste ano, na chapa com o diretor Torquato Castro, ela ressalta o momento “inédito e histórico” e destaca o simbolismo dessa escolha.

“A eleição representa a ocupação desse espaço. Podemos estar em qualquer lugar, mulheres trans fazem parte do universo feminino e merecem ser incluídas tanto quanto as demais”, declarou (veja vídeo acima).

A eleição da chapa formada por Torquato e Antonella venceu a eleição, realizada no dia 13 de fevereiro, entre professores, servidores e alunos. No resultado final, recebeu 57,4% do votos.

No processo, como determina o regimento da universidade, cada categoria tem peso diferente. Uma média ponderada é feita com o resultado, por categoria, até chegar ao resultado final. Os votos dos professores valem mais do que os dos alunos e servidores.

No quadro de aviso da faculdade está afixado um papel com o resultado final das eleições. A chapa Torquato/Antonella venceu por um voto de diferença entre os professores, teve o dobro de votos entre os estudantes e quase quatro vezes mais entre os servidores.

Diante do resultado, Antonella faz planos para quando tomar posse oficialmente, no mês de abril. Ela será diretora assistente de Torquato até o ano de 2027.

Até lá, pretende fazer “uma universidade inclusiva”, com possibilidade de reforçar o diálogo com a sociedade e um “olhar atento” aos mais vulneráveis e para as minorias.

“Nós defendemos as cotas raciais, as cotas para pessoas trans. Queremos criar as condições necessárias para ter o restaurante universitário. Podemos também pensar em cuidar das pessoas que vivem no entorno da universidade, como os ambulantes, e fazer na prática jurídica um trabalho para ajudar pessoas trans”, afirmou.

Na pauta mais ampla, que vai além dos muros da faculdade, Antonella diz que é preciso enfrentar a realidade para inserir as mulheres trans no mercado de trabalho.

“As mulheres trans têm um histórico de resiliência, até por sua condição. São criativas e pensam fora da caixa. Queremos mostrar que elas podem exercer qualquer profissão, desde que tenham condições”, afirmou.

Outa batalha, segundo a vice-diretora eleita da faculdade, é contra a opressão e a exclusão. “Precisamos combater o discurso de ódio e a discriminação. Devemos parar de normalizar a violência contra as pessoas”, disse.

Processo delicado

Antonella Galindo é primeira mulher trans eleita vice-diretora da Faculdade de Direito do Recife — Foto: Ricardo Novelino/g1

Antonella Galindo é primeira mulher trans eleita vice-diretora da Faculdade de Direito do Recife — Foto: Ricardo Novelino/g1

Antonella Galindo começou a carreira jurídica no fim dos anos 90, ao sem formar da Unicap. Passou em concursos e atuou como professora nas universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Paraíba (UFPB).

Nesse período, ainda não tinha assumido a atual condição de gênero. Estudou, trabalhou e lecionou com o antigo nome masculino. Casou com uma mulher e teve filhos.

A doutora conta que, desde criança, teve uma vida de ‘classe média”. Estudou numa escola particular no Recife, onde mora toda a família.

Diz que passou por várias etapas, da infância até a vida adulta “sem saber bem o que era”, mas com a certeza “de que tinha algo diferente dos outros”.

“Sempre tive um deslumbramento com o universo feminino e uma incompreensão com o universo masculino. Nos anos 1980, o fenômeno Roberta Close me fascinou”, declarou.

A professora fez referência à atriz e modelo que se tornou a primeira expoente no mundo da arte na condição de trans.

Na época, conta Antonella, a sociedade “era outra”, “bem diferente”. Também havia um componente religioso, que colocava a tarja de “pecado” em tudo o que não era convencional.

“Ia para o cabeleireiro com meu pai e pegava revistas. Quando tinha algo com Roberta Close, fingia que estava vendo outra coisa e ficava tentando saber o que estavam falando dela”, lembrou.

Desde criança, Antonella conta que sabia que o caminho profissional seria na área de Humanas. “Gostava muito de ler. Adorava Machado de Assis. Me formei, fiz mestrado e doutorado antes dos 30 anos”, ressaltou.

Transição

Sobre o início da mudança, a professora diz que teve um componente: “a crise dos 40 anos”.

Pressentindo que tinha algo diferente, ela afirmou que procurou uma amiga, que era psicóloga. Essa profissional indicou uma colega, com quem começou a discutir os assuntos mais íntimos.

“Não me sentia um homem gay. Não era uma questão de ser hétero ou não. Era existencial”, declarou.

Até que veio a pandemia e as coisas mudaram para toda a sociedade. Nesse processo, Antonella começou a entender a necessidade da mudança de condição de gênero.

“Antes de assumir a minha condição de mulher trans, ia a alguns lugares, fora do estado, com roupas femininas e de peruca loira. Até que, no ano passado, assumi a minha condição’, acrescentou.

Na faculdade, a doutora disse que encontrou acolhimento e receptividade. Afirmou que conta com um ambiente em que “se discute todos os assuntos” e onde já existem profissionais trans.

Sobre a relação entre a militância na política interna da faculdade e a transição, Antonella disse que foi uma “questão natural”.

“Já tinha sido coordenadora de graduação e subchefe de departamento. Quando Torquato me chamou para fazer parte da chapa, disse que o que interessava era o meu currículo e minha competência. A minha condição era um plus, algo a mais”, afirmou.
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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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