Há poucos dias, durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, o Brasil se recusou a acompanhar os mais de 50 países que denunciaram a prática de crimes contra a humanidade pela tirania de Daniel Ortega na Nicarágua.
É compreensível. Como é que o presidente Lula da Silva pode endossar uma denúncia grave como essa contra um amigão que o chama de “irmão e companheiro”? As profundas afinidades entre Lula e Ortega passam pela devoção a Fidel Castro e pelo cacoete de culpar os EUA por todo o mal da América Latina. Para muitos petistas, censurar Ortega (ou o ditador Nicolás Maduro, ou o comandante Fidel) equivaleria a fazer o jogo dos imperialistas americanos e, pior, trair a esquerda.
Pouco importa que governos esquerdistas acima de qualquer suspeita, como os do Chile e da Colômbia, firmaram o documento crítico ao regime de Ortega. Quando o esquerdismo se torna “doença infantil”, patologia desse lulopetismo de grêmio estudantil, qualquer manifestação de racionalidade é desde logo denunciada como “desvio”.
Quem sentiu isso na pele foi Alberto Cantalice, membro do Diretório Nacional do PT, que ousou criticar os ditadores Ortega e Maduro. No Twitter, escreveu que o nicaraguense “enxovalha a esquerda latino-americana” e que os petistas não podem criticar o autoritarismo de Jair Bolsonaro enquanto fazem vista grossa às barbaridades cometidas pelos ditadores “companheiros”. Foi o bastante para que Cantalice fosse qualificado como traidor do “campo democrático popular” em favor do “campo imperialista”.
É claro que qualquer presidente brasileiro deve adotar a prudência, sobretudo em temas espinhosos, em que os interesses do País estejam em risco. Não é, no entanto, o caso da condenação da ditadura nicaraguense. Abster-se de denunciar essa ditadura e seus crimes contra a humanidade equivale a insultar as vítimas dessa tirania. Não cabe, aqui, falar em respeito à “soberania”, como habitualmente dizem os petistas, pois nenhum governo é soberano para massacrar seu próprio povo; também não cabe falar em respeito à “autodeterminação” dos nicaraguenses, pois nenhum povo submetido a uma ditadura é capaz de determinar seu próprio futuro.
A defesa dos direitos humanos é, por definição, uma questão que está além das fronteiras nacionais. É um imperativo da comunidade internacional demandar que os direitos básicos dos cidadãos em qualquer país sejam respeitados. Não é por outra razão que governantes autoritários menosprezam os direitos humanos e consideram sua defesa uma interferência indevida em assuntos internos.
Por isso, o Brasil não podia se abster no caso da Nicarágua, ainda que fosse sob o argumento, invocado pelo Itamaraty, de que a declaração conjunta não abria “canais de diálogo” com a Nicarágua. Ora, não se pode falar em “diálogo” sem que haja antes, da parte de quem agride, a iniciativa de interromper a agressão. Não há como igualar algozes e vítimas, como faz o Brasil sob Lula.
Depois da reação negativa ante o posicionamento brasileiro, o Brasil, numa manifestação em separado no Conselho de Direitos Humanos, expressou “extrema preocupação com os relatos de sérias violações de direitos humanos e restrições de direitos democráticos” na Nicarágua e se ofereceu para receber os cidadãos nicaraguenses degredados por serem considerados opositores do regime. No entanto, em nenhum momento o Brasil condenou a ditadura de Ortega com a firmeza e a veemência que as incontestáveis violações de direitos humanos – atestadas por um grupo de peritos independentes a serviço da ONU – impõem.
Se Lula da Silva tem a pretensão de reposicionar o Brasil no mundo, depois de quatro anos de ostracismo voluntário determinado pelo bolsonarismo, precisa livrar-se urgentemente das amarras ideológicas que o impedem de se alinhar ao mundo civilizado quando isso é tão flagrantemente necessário. Para voltar, de fato, a ser um país relevante em áreas outras que não apenas a ambiental, como deseja Lula, o Brasil deve perfilar com os países que definem suas políticas externas a partir de um patamar mínimo de civilização.
Comentário nosso
Torcemos muito e vibramos quando a Frente Sandinista venceu sua luta contra os ditadores nicaraguenses Anastasio Somoza Garcia e seus filhos que dominaram a Nicarágua de 1936 a 1979, quando foram derrubados. Daniel Ortega participou da Junta do Governo de Reconstrução Nacional, onde assumiu os cargos de coordenador, chefe do Governo e ministro da Defesa. Em 1984, foi eleito presidente da república. Seu primeiro mandato foi caracterizado por uma política de reforma agrária e distribuição de riquezas, além da atuação dos Contras, grupos contrários a seu governo financiados indiretamente pelos Estados Unidos da América, conforme ficaria mais tarde evidenciado no escândalo Irã-Contras. Ortega foi derrotado por Violeta Barrios de Chamorro nas eleições de 1990, mas continuou sendo uma figura importante no cenário político da Nicarágua. Disputou outras duas eleições sem sucesso, em 1996 e 2001, antes de ser novamente eleito presidente em 2006. Em 2011, foi reeleito presidente, e novamente em 2016 com mais de 70% dos votos. No país, não há limite de mandatos. A presidência de Ortega tem sofrido muitas críticas e acusações de que ele se tornou de rebelde a um mandatário poderoso, contra o que sempre lutou. Em seu quarto mandato como presidente, promove violentos ataques contra os manifestantes que querem a sua renúncia, e as ações do ex-comandante da guerrilha passaram a ser comparadas à ditadura que ele ajudou a derrubar quarenta anos antes. Os protestos de 2018 foram apontados como um símbolo dessas tensões.Em 2018, Frances Robles escreveu no The New York Times que “muitos filhos adultos de Ortega administram tudo, desde a distribuição de gasolina até estações de televisão” na Nicarágua. Nos meses que antecederam as eleições gerais na Nicarágua de novembro de 2021, o governo de Ortega prendeu muitos membros proeminentes da oposição. Desde 23 de julho, 26 líderes da oposição foram presos. Nos últimos tempos ele passou a perseguir a Igreja Católica. Durante a semana, o próprio Papa Francisco, denunciou as perseguição que Ortega tem feito à Igreja Católica, justamente por não concordar com os desmandos do seu Governo. Em outras palavras, hoje temos uma ditadura na Nicarágua que Lula apóia. (LGLM, com informações da Wikipédia)