Orçamento secreto 2.0

By | 16/03/2023 6:30 am

Ao que parece, tudo mudou em Brasília para permanecer como era. Governo pode ser novo, mas o rateio de recursos do Orçamento sem transparência segue mais vivo do que nunca

 

(OPINIÃO DO ESTADÃO, 16/03/2023)

 

Imagem ex-libris

O esquema do orçamento secreto, revelado por este jornal em maio de 2021, pode ter acabado do ponto de vista formal depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou sua gritante inconstitucionalidade, em dezembro de 2022. Porém, a distribuição de vultosos recursos do Orçamento da União entre parlamentares escolhidos a dedo continua envolta por uma névoa de mistério, em desabrida afronta à Constituição.

Seguindo o famoso conselho do oportunista Tancredi no romance O Leopardo, de Lampedusa, tudo aparentemente mudou em Brasília para permanecer exatamente como era. Vale dizer, o Palácio do Planalto continua submisso às vontades de um Congresso que não só foi capaz de manter, como ampliou sua esfera de poder mesmo após o revés no STF. Ninguém duvida que a caciquia do Poder Legislativo segue forte o bastante para exigir contrapartidas nem sempre republicanas por seu apoio às questões de interesse do chefe do Poder Executivo – seja quem for.

Reportagem do Estadão revelou que o governo do presidente Lula da Silva, decerto em combinação com a cúpula do Congresso, engendrou um novo modelo de transferência de recursos orçamentários para parlamentares ungidos depois que o STF ordenou o fim dos repasses por meio das chamadas emendas de relator (RP9), base do orçamento secreto. Na prática, o estratagema consiste em cumprir a decisão da Corte Suprema em seus aspectos formais ao mesmo tempo que dá sobrevida, por outros meios, à distribuição de recursos orçamentários ao abrigo do escrutínio da sociedade.

A técnica dessa espécie de “orçamento secreto 2.0″ pode ser distinta, mas, na essência, o esquema em nada difere da artimanha de Jair Bolsonaro para comprar a base de apoio congressual que lhe valeu, entre outras coisas, a permanência no cargo, malgrado o fato de o ex-presidente ter gabaritado a lei dos crimes de responsabilidade.

Há poucos dias, as ministras do Planejamento, Simone Tebet, da Gestão, Esther Dweck, e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, assinaram uma portaria definindo o novo processo de liberação de emendas parlamentares pelo Palácio do Planalto. O documento, no entanto, não estabelece qualquer mecanismo objetivo que assegure a transparência sobre os dados dessas transferências, como, aliás, determinou o STF.

Fundamentalmente, a portaria apenas centraliza na pasta das Relações Institucionais a negociação com o Congresso em torno da distribuição das verbas por meio de projetos de outros Ministérios. Questionada pela reportagem, a assessoria do ministro Alexandre Padilha não soube responder como o cidadão poderá consultar os nomes dos parlamentares agraciados com a liberação das emendas, nem tampouco os valores e a destinação dos recursos.

Como disse ao Estadão a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane, não houve mudança fundamental de um modelo de distribuição de recursos do governo Bolsonaro para o governo Lula da Silva. A falta de transparência no manejo do Orçamento da União permanece. “Há uma fortíssima tendência de a execução (das emendas) repetir o que foi o ‘orçamento secreto’, que é liberar o dinheiro sem aderência ao planejamento, de forma discriminatória, escolhendo os beneficiários sem nenhum filtro”, disse a procuradora.

Parece que foi há muito tempo, mas durante a campanha eleitoral do ano passado, o então candidato Lula da Silva chegou a dizer em alto e bom som que “fizeram um tremendo carnaval com o mensalão”, mas, segundo o petista, o orçamento secreto seria “a maior excrescência política orçamentária deste País”. Lula prometeu acabar com a prática antirrepublicana, que, em suas palavras, fizera de seu antecessor um “bobo da corte” nas mãos do Congresso. Mas só a ingenuidade ou o desconhecimento do passado da era lulopetista autorizavam a crença de que algo, de fato, haveria de mudar na relação entre o Executivo e o Legislativo.

É legítimo que o Poder Legislativo, como representante da sociedade e da Federação, disponha de parte do Orçamento da União. Emendas parlamentares são usuais em países de democracia consolidada. O que não tem cabimento é a falta de transparência no manejo desses recursos, ao arrepio do espírito constitucional.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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