A PEC da exploração da fé

By | 22/03/2023 6:44 am

Já há muitas distorções da imunidade tributária sobre templos religiosos. Não é preciso criar outras

 

(OPINIÃO DO ESTADÃO, em editorial de

 

Imagem ex-libris

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), enviou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), que amplia a imunidade tributária que hoje é concedida aos templos religiosos no País. Essa PEC deve ser rejeitada no âmbito da própria CCJ; caso não seja, que não prospere no plenário. Trata-se de um engodo, uma desavergonhada tentativa de explorar a fé alheia e os recursos dos contribuintes para enriquecer ainda mais algumas igrejas – principalmente os seus líderes.

A Constituição de 1988 já proíbe a União, os Estados e os municípios de instituir impostos sobre templos de qualquer culto (art. 150, inciso VI, alínea b). É razoável que tenha sido esse o entendimento do constituinte originário. Afinal, as religiões têm papel fundamental na vida da grande maioria dos brasileiros. Seus templos, pois, são locais de relevante interesse social, não econômico. Tributá-los poderia levar, no limite, à extinção de denominações religiosas que não tivessem condições financeiras de arcar com o custo, uma evidente contradição com a liberdade de culto assegurada pela própria Constituição.

No entanto, o que pretendem o deputado Marcelo Crivella, sobrinho do líder máximo da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, e os mais de 350 deputados que assinaram a PEC é extrapolar essa imunidade tributária sobre os templos para a aquisição de quaisquer bens ou serviços “necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços” das instituições religiosas. Chega a ser acintoso.

O que está isento de tributação, à luz da Constituição, é o livre exercício da fé. Os defensores da PEC argumentam, no entanto, que as instituições religiosas não devem pagar impostos sobre a construção e reformas dos templos, manutenção de escolas, creches ou asilos nem tampouco sobre despesas correntes, como água e energia elétrica, sem falar na aquisição de bens, como imóveis e veículos. Ora, todas essas atividades, por mais louváveis que possam ser, vão além dos serviços estritamente religiosos que são cobertos pela imunidade tributária vigente.

Caso a PEC seja aprovada tal como está na CCJ, as instituições religiosas ficarão isentas de recolher ICMS, ISS e IPI ao adquirir quaisquer bens e serviços que possam ser ligados à suposta atividade espiritual. Por exemplo: o líder de uma determinada instituição religiosa poderia adquirir um jatinho por um preço muito abaixo do que é cobrado de um cidadão leigo alegando que a aeronave é imprescindível para sua presença diante dos fiéis. A conta de energia das igrejas também seria muito mais baixa do que as cobradas de outros estabelecimentos, criando no País uma distinção tributária inconcebível entre cidadãos leigos e religiosos.

O que é isso senão a subversão do princípio fundante desta República, a igualdade de todos perante a lei? Hoje, já há muitas distorções ao texto constitucional. O País não precisa de outras.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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