Há rumores de que a mudança de composição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski neste semestre, poderia favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro, que responde a várias ações na Justiça Eleitoral. O tema é sério, afetando não apenas a autoridade do Judiciário, mas o próprio funcionamento do regime democrático. A vigência da lei e, consequentemente, a sua aplicação não podem depender da composição específica de um tribunal.
É incontestável que Jair Bolsonaro cometeu crimes eleitorais e deve, portanto, ser punido por seus atos, a começar pela decretação de sua inelegibilidade. Além de ter descumprido as limitações legais próprias do período eleitoral no uso dos recursos públicos – valeu-se sem nenhum pudor da máquina pública em benefício próprio –, Jair Bolsonaro pôs em marcha a maior campanha de difamação da história contra o sistema eleitoral brasileiro. Essa campanha, que incluiu até mesmo o uso da posição de chefe de Estado para desautorizar o regime democrático nacional perante embaixadores estrangeiros, desembocou, entre outros danos, na resistência inédita de milhares de brasileiros ao resultado das eleições e nos atos do 8 de Janeiro. Também há indícios fortes de uso de órgãos de Estado, como a Polícia Rodoviária Federal, para fins eleitorais.
Em 2021, por muito menos, o TSE cassou o mandato do deputado estadual eleito pelo Paraná, em 2018, Fernando Francischini. A Corte entendeu que houve abuso do cargo público – na época, Francischini era deputado federal – por difundir, em benefício próprio, desinformação contra as urnas eletrônicas.
Em respeito à legislação brasileira e à jurisprudência do próprio tribunal, o TSE tem o dever de tornar inelegível Jair Bolsonaro. E deve-se acrescentar outro motivo, não menos importante: em respeito à moralidade pública e ao regime democrático. Há no caso uma questão primária de exemplaridade. Se depois de Jair Bolsonaro ter usado o mais alto posto da República em benefício próprio e contra as regras do sistema eleitoral a Justiça não torná-lo inelegível, sendo-lhe permitido continuar disputando eleições, tal impunidade será a desautorização extrema da Justiça Eleitoral. Além de dizer com todas as letras que o crime compensa, o TSE não terá nenhuma autoridade para aplicar a pena de inelegibilidade a mais ninguém. Significaria pôr, em um só ato, o manto da impunidade no mais alto estágio, alcançando todos os casos.
Por isso, respeitar a lei e a jurisprudência, sem tolerâncias seletivas com Jair Bolsonaro, é respeitar e defender a própria Justiça. Do mesmo modo que atacou o sistema eleitoral, o bolsonarismo vem ameaçando e atacando, de longa data, o Poder Judiciário. Agora, com o andamento dos processos contra Jair Bolsonaro no âmbito eleitoral, são patentes as tentativas de seus seguidores para desautorizar de antemão a Justiça Eleitoral, qualificando-a de política e parcial.
A melhor resposta a mais essa manobra é a aplicação serena da lei, sem atentar para o nome que consta na capa dos autos do processo. Tornar inelegível Jair Bolsonaro não é uma retribuição da Justiça pelos seus quatro anos de governo, tampouco uma espécie de contra-ataque do Judiciário contra os devaneios de um chefe do Executivo federal. O tema é mais simples e linear, menos conturbado e controvertido. É apenas a vigência do princípio basilar da República, a igualdade de todos perante a lei. Assim como qualquer outro brasileiro, Jair Bolsonaro não merece tratamento especial. A lei também vale para ex-presidentes da República, por mais populares que sejam.
É muito salutar, também como mensagem para os que ocupam agora cargos nas diversas esferas estatais, em concreto no Executivo federal, que nenhum abuso no exercício do poder público fique impune. O País precisa desse mínimo civilizatório. A lei deve prevalecer sempre, seja qual for a coloração ideológica do investigado ou a composição do tribunal. Jair Bolsonaro não é mito nem mártir. É um cidadão, que, como todos os outros, deve responder por seus atos.
Comentário nosso
Mas não basta punir quem tem cargos no Executivo. Tem que punir qualquer agente político que cometer deslizes, seja no Executivo, Judiciário e no Legislativo . Para os dois primeiros, principalmente com a lei, para os parlamentares com a lei e o voto. Ou nos livramos dos políticos que nos envergonham ou o Brasil nunca sairá “do buraco”. Afinal, são eles que fazem as leis e, quase sempre, fazem leis para se blindarem. E haja “rachadinhas”, comissões, propinas, desvios de verbas e auxilios moradias fraudados. (LGLM)