Demagogia, corporativismo e patrimonialismo concorrem para a desigualdade social
(O que pensa a Folha em editorial, em 27/03/2023)
A ação do Estado é sem dúvida imprescindível para o combate à pobreza e à desigualdade social, mas nem sempre a tributação e o gasto público contribuem para uma melhor distribuição da renda. O Brasil oferece exemplos de variadas dimensões a esse respeito.
Aqui a estrutura dos impostos tem alta regressividade, por dar peso excessivo à taxação do consumo —que atinge sobremaneira as camadas mais pobres da população— e ênfase relativamente menor a rendimentos e patrimônio.
O desequilíbrio orçamentário leva o governo a pagar juros elevados aos credores de sua dívida, o que implica transferência de recursos de toda a coletividade para os estratos capazes de poupar. Pior seria permitir a alta da inflação, o mais socialmente perverso dos males econômicos.
Há ainda uma miríade de benefícios tributários, subsídios creditícios e privilégios a setores influentes que, se representam pouco do Orçamento quando observados isoladamente, em conjunto sabotam a eficácia das políticas públicas de bem-estar social.
Um desses casos ganhou relevo com uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre gastos de R$ 3 bilhões ao ano com o pagamento de pensões a filhas solteiras de antigos servidores. Conforme noticiou O Estado de S. Paulo, identificaram-se 4.000 casos de burla da lei.
As irregularidades —mulheres que se casaram ou obtiveram emprego e continuam a receber a benesse— custam não mais de R$ 145 milhões anuais. O verdadeiro escândalo está no estabelecimento da regra, que data de 1958 e, felizmente, deixou de valer em 1990.
O Estado brasileiro custa a se livrar de tais anacronismos. Neste momento, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), busca aprovar uma emenda constitucional para recriar o chamado quinquênio de juízes e procuradores, que assegura um adicional de 5% do salário a cada cinco anos.
Outras medidas concentradoras podem não parecer tão evidentes, caso da proposta, cogitada e abandonada por Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de isentar do Imposto de Renda ganhos de até cinco salários mínimos (R$ 6.600 a partir de maio) —valor muito acima do rendimento médio dos trabalhadores (R$ 2.633).
Voluntarismo e demagogia, assim como corporativismo e patrimonialismo, concorrem para um Estado patrocinador da desigualdade.