Não é questão de condenar por antecipação nem de julgar sem provas. Mas o que foi revelado até o momento é suficiente para afirmar: Jair Bolsonaro achou que o exercício da Presidência da República dava ensejo para ele deixar o Palácio do Planalto com mais bens do que quando ele lá chegou. Até agora, foram revelados três lotes de presentes caríssimos que ele pretendia incorporar ao seu patrimônio pessoal. Os casos exigem investigação cuidadosa. Há presentes de valores vultosos, que destoam das práticas habituais da cortesia diplomática, o que pode eventualmente representar algum tipo de contrapartida, com implicações penais ainda mais graves.
Avaliado em cerca de R$ 16,5 milhões, o primeiro lote de joias de ouro e diamantes foi barrado pela Receita Federal quando entrava no País na mala de um assessor, sem qualquer tipo de declaração. O caso foi revelado pelo Estadão, que mostrou o empenho de Jair Bolsonaro, até o final do mandato, para tentar liberar e, aparentemente, ficar com esses bens.
O segundo lote de presentes, com joias e armas avaliadas em cerca de R$ 500 mil, foi integrado ao acervo pessoal de Jair Bolsonaro. No entanto, depois de o caso vir à tona, a Justiça determinou a devolução dos bens. No dia 24 de março, a defesa de Bolsonaro entregou essas joias e armas dadas por autoridades sauditas em uma viagem oficial.
Agora, o Estadão revelou a existência de um terceiro pacote de joias dadas ao presidente da República pelo regime da Arábia Saudita em outubro de 2019. Num primeiro momento, os presentes ficaram no acervo privado do presidente da República. No entanto, em junho de 2022, Bolsonaro solicitou que as joias fossem encaminhadas ao seu gabinete, ficando sob sua guarda. Estima-se que o lote valha, no mínimo, cerca de R$ 500 mil.
Tal como dispõe o Decreto 4.344/2002, todos os presentes recebidos pelo presidente da República em cerimônias de troca de presentes, audiências com chefes de Estado e de governo, visitas oficiais ou viagens ao exterior devem ser incorporados ao patrimônio da União, com exceção dos itens de natureza personalíssima (medalhas personalizadas e grã-colar) ou de consumo direto (bonés, camisetas, gravata, chinelo, perfumes, entre outros). Em julgamento de 2016, corroborando os termos do Decreto, o Tribunal de Contas da União (TCU) classificou como grave irregularidade a incorporação de presentes recebidos em função do cargo ao acervo pessoal do presidente da República.
A moralidade pública não pode ser um slogan que se exige apenas do lado contrário. A lei tem de ser cumprida e os indícios, investigados até o fim, até porque a devolução das joias por si só não modifica eventual tipificação penal de corrupção.
A coisa pública merece muito mais respeito. Mesmo que seja “apenas” incorporação indevida, o que ainda não foi comprovado, é um escândalo alguém achar que pode levar para casa presentes de R$ 500 mil recebidos no exercício de uma função pública. Tem algo de muitíssimo errado quando cargo público se torna ocasião de enriquecimento pessoal.