A composição do novo bloco pegou de surpresa tanto o presidente da Câmara como o governo federal. Tal articulação revela um ponto fundamental do regime democrático. Os partidos não podem ser submissos às estruturas do poder estatal. Só se tiverem vida própria estarão aptos a exercer o papel que lhes cabe, que é defender suas causas e representar seus eleitores. Certamente, as chefias do Legislativo e do Executivo não apreciam essa independência, mas é justamente essa autonomia que assegura o funcionamento saudável do regime democrático. Efeito imediato do novo bloco partidário é, por exemplo, a diminuição do poder de Arthur Lira nas indicações para as comissões mistas destinadas a analisar as medidas provisórias.
Outro aspecto positivo suscitado pelo novo grupo é a redução da fragmentação partidária. Agora, entre federações, blocos e partidos, há 13 bancadas na Câmara. Mesmo sendo ainda um número grande, trata-se de avanço significativo em relação ao que ocorria anos atrás, quando mais de 30 legendas operavam individualmente na Casa. Não se sabe o que de fato vai ocorrer, mas há hoje espaço para maior racionalidade e maior conteúdo programático nas negociações políticas. Mais do que apenas aplaudir o fenômeno, trata-se de exigir que essa oportunidade seja efetivamente aproveitada.
Mas talvez o principal ponto a ser destacado na formação da maior bancada da Câmara é que, ao contrário do que muitos poderiam pensar, a política continua sendo o caminho mais efetivo para que a sociedade não fique refém do poder estatal.
Sempre presente no imaginário coletivo nacional, o sentimento antipolítica intensificou-se em 2013 e, de forma especial, com o bolsonarismo a partir de 2018. Para muitos, o caminho da oposição deveria ser pavimentado necessária e exclusivamente pelo confronto com as instituições. Esse foi o discurso de muitos parlamentares eleitos em 2018 e em 2022. Por exemplo, na visão de alguns senadores bolsonaristas, a tarefa mais importante do Senado é instaurar processos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como meio de pressionar o Judiciário e inflamar seguidores. Apesar de fazer muito barulho nas redes sociais, esse tipo de política – na verdade, é a negação da política – nada constrói e ainda deixa a pista livre para o governo atuar como bem entender. Não faz real oposição ao exercício do poder.
Eis o fato incontestável. Os parlamentares que apenas gritam não geram nenhum temor entre as lideranças do Congresso e no Palácio do Planalto. O que causa apreensão em Arthur Lira e no governo federal é a efetiva capacidade de articulação política, como a que se viu na formação do superbloco no dia 28 de março. São as lideranças políticas articuladoras da bancada com 142 deputados que podem oferecer algum óbice aos planos do PT e aos do Centrão. Não é demais lembrar que foi Gilberto Kassab quem, com a criação do Partido Social Democrático (PSD) em 2011, surpreendeu Lula e alterou a dinâmica de forças no Congresso de então.
Há quem se iluda pensando que o bolsonarismo poderá constituir algum tipo de oposição ao governo Lula no Congresso. Mesmo quando Jair Bolsonaro era presidente da República, sua turma foi incapaz de se organizar e de articular politicamente no Legislativo. Brincaram de ser a nova direita no País, mas foram tão somente a antítese da civilidade e da República. Agora, são capacho de Arthur Lira, o que não é nenhuma novidade. A novidade é que tem gente adulta na Câmara fazendo política.