É indiscutível o fato de que a Operação Lava Jato, como hoje se sabe, esteve eivada de erros e desvios das leis e da Constituição cometidos por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal. Como revelou uma reportagem do Estadão no domingo passado, até mesmo procuradores federais que participaram ou apoiaram a operação, hoje, fazem uma autocrítica pelos excessos cometidos pela força-tarefa. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, debruçou-se sobre casos concretos e anulou, uma a uma, todas as condenações prolatadas contra Lula, tanto que foi revertida a inelegibilidade do petista.
Uma coisa, porém, é reconhecer a incompetência e a parcialidade do ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), além do possível conluio entre um grupo de procuradores federais e o então titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Outra coisa, muito distante, é querer fazer o País acreditar que toda a Operação Lava Jato não passou de uma “farsa”, uma “armação” urdida entre autoridades do Brasil e dos Estados Unidos para usurpar as riquezas nacionais, como Lula anda dizendo por aí.
Se “farsa” foi, haja farsantes. O que dizer de tantas confissões? O que dizer da recuperação de ativos bilionários depositados em contas no exterior? O que dizer do resultado de investigações conduzidas por promotores estrangeiros em nada contaminados pela política nacional?
O presidente não precisava ser tão desrespeitoso com a inteligência e a memória de tantos brasileiros que não se ajoelham sob o altar do petismo. À falta de decência, bastaria a Lula um olhar racional para o placar da eleição para que fosse acometido por um súbito surto de humildade.
O petista venceu Jair Bolsonaro por uma margem de apenas 1,8% dos votos válidos, o que indica que o antibolsonarismo é só ligeiramente maior que o antipetismo no País. Lula não teria sido eleito se dependesse só dos votos de seus apoiadores mais devotados, aqueles que tomam sua palavra quase como um dogma religioso. Ele precisou convencer os milhões de eleitores que sabem muito bem o que o PT fez nos 14 anos em que governou o País – com especial ênfase nos escândalos do mensalão e do petrolão – de que era o único capaz de impedir que Bolsonaro fosse reeleito e pudesse concluir a destruição da democracia no Brasil.
Qualquer político, diante disso, teria a decência de reconhecer que a maior parte do eleitorado fez sua escolha por exclusão, e não por convicção. Mas não Lula, claro. O chefão petista considera que os votos que recebeu o autorizam a retocar as fotos em que ele e seu partido aparecem como protagonistas de escândalos e como instigadores da divisão do País. Ao tentar desmoralizar inteiramente a Lava Jato, como se a operação fosse inimiga do Brasil (em conluio com os ianques, claro) e tivesse como objetivo destruir o PT e seu líder, Lula desrespeita as diversas instituições de Estado que verificaram, julgaram e condenaram os numerosos malfeitos do lulopetismo. Por extensão, Lula desrespeita a própria democracia que ele jurou salvar das garras do bolsonarismo.
O PT, como organização privada que é, tem o direito de defender as interpretações que faz da realidade como bem entender, por mais equivocadas ou enviesadas que sejam. O problema é que o que o PT “pensa”, na verdade, é o que Lula pensa. E Lula já não é mais um líder partidário nem tampouco candidato; é o chefe de Estado e de governo. E como tal deve se portar.