Bolsonaro depõe sobre joias; é o menor dos crimes; eis os que rendem cadeia

By | 05/04/2023 10:10 am

(Reinaldo Azevedo, Colunista do UOL, em 05/04/2023)

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Está previsto para esta quarta o depoimento presencial do “Mito” à Polícia Federal. O escândalo é de conhecimento público recente. No dia 3 de março, o Estadão publicou reportagem de Adriana Fernandes e André Borges com o seguinte título: “Governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente colar e brincos de diamante de R$ 16,5 mi para Michelle”Ficamos sabendo, na sequência, que aquele era apenas um de três conjuntos que o então presidente recebeu do governo saudita por razões até agora misteriosas.

Nada seguiu os trâmites normais, certo? O conjunto feminino só ficou retido na alfândega porque um sargento da comitiva do então ministro Bento Albuquerque teve a bagagem vistoriada. Era uma tentativa de burlar a lei. E burlada foi. Naquele mesmo dia, por intermédio da mesma turma, uma caixa com joias masculinas entrou no país sem nenhuma declaração. E o Capitão da Humildade já havia recebido um outro. Tudo foi devolvido por determinação do TCU e entregue para a guarda da Caixa Econômica Federal.

Vejam que coisa: em que pese o valor fabuloso dos mimos, beirando os R$ 20 milhões, o possível peculato — “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio” — é, entendo, o menos grave dos crimes pelos quais o ex-presidente e investigado. Não quer dizer que não seja escandaloso. O trecho que vai entre aspas é transcrição do Artigo 312 do Código Penal, e a pena, se houver condenação, varia de dois a 12 anos de cadeia, além de multa. Há uma outra imputação possível: “descaminho”, assim caracterizado no caput do Artigo 334 do CP: “Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”. A pena varia de um a quatro anos de reclusão.

A situação do ex-presidente não é boa. Fosse sua intenção entregar ao acervo público os presentes — e o fato de ter ficado com duas das caixas não autoriza ninguém a fazer tal suposição —, então que se procedesse a devida declaração. O mesmo se diga sobre o terceiro lote, o mais caro, que foi retido na Alfândega. O caso só existe porque nem se declararam os mimos milionários como futuro patrimônio público nem se fez o registro de bem pessoal, hipótese em que se deveria pagar o imposto. Qualquer que seja a versão do ex-presidente, não parece que tenha como parar de pé.

As pessoas que atuaram para a entrada ilegal das caixas no país podem também responder por “facilitação de descaminho” (Artigo 318-CP). Ao próprio imbrochável e a quantos tenham atuado para liberar a caixa retida, é possível imputar o crime de “advocacia administrativa” (Artigo 321-CP). A PF apura ainda se tanta generosidade do governo saudita com o então presidente foi uma compensação por eventual ato beneficiado o governo, autoridades ou indivíduos daquele país. Aí estaria caracterizada “corrupção passiva” (Artigo 317-CP).

UMA CERTA IRONIA. OU TODOS OS INQUÉRITOS
A coisa tem lá seu aspecto irônico. O Defensor da Família dos Bons Costumes já era réu no Supremo por apologia do estupro e injúria em decorrência das barbaridades que disse à deputada Maria do Rosário. Ressalvando não ser estuprador (quanta nobreza de caráter!) disse que não a estupraria, se fosse, porque ela não merecia. A estupidez foi dita pela primeira vez em 2003 e foi repetida por ele em 2014. No Congresso. Nessa segunda vez, não contente, concedeu uma entrevista e ainda acrescentou que não praticaria o estupro porque, disse, ela era também “muito feia”. Se já não migrou, esse caso deve ir para a primeira instância. Insisto: ele já é réu.

E há mais cinco inquéritos, todos sobre crimes de extrema gravidade. Quatro deles foram abertos ainda no curso do mandato, e o mais recente, o 4.921, depois de ter deixado a Presidência. Este último se ocupada dos ataques golpistas, com práticas similares ao terrorismo, contra as respectivas sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro. A inclusão de Bolsonaro se deu a pedido da PGR.

O ex-presidente é um dos alvos do Inquérito 4.781, que abriu a fila dos procedimentos instaurados em defesa da democracia e do estado de direito. É o tal “das fake News”, aberto de ofício por Dias Toffoli, então presidente no STF, no dia 14 de março de 2019, com dois meses e meio de governo. Tem como alvo a indústria de notícias falsas cujo alvo era e é o Supremo.

Há o 4.831, originalmente o mais fraco de todos, aberto a partir de acusação feita por Sérgio Moro, ao deixar o Ministério da Justiça, segundo quem seu ex-chefe fez interferências indevidas na Polícia Federal, atendendo a seus próprios interesses. Digo que era o mais fraco porque, quando lançou o petardo, o ex-juiz e agora senador nada tinha de objetivo, além da mágoa. O então presidente, contudo, no curso do mandato, foi se encarregando de fornecer elementos novos a uma acusação originalmente anêmica. Há indícios, por exemplo, de que seu ministro da Justiça, Anderson Torres, tentou usar a PF para criar dificuldades para eleitores de Lula no dia do segundo turno.

Outro, o 4.888, trata de uma fala do Homiziado Retornado relacionando a vacina contra a Covid-19 à Aids. A informação falsa foi tonitruada por esse grande líder nas redes sociais, ao vivo, durante uma de suas “livres”, em outubro de 2021. O 4.878 cuida do vazamento, perpetrado pelo golpista, de investigação sigilosa sobre ataque hacker ao sistema do TSE, o que não comprometia as urnas, diga-se. Usou o material para sugerir que havia vulnerabilidade no sistema eletrônico de votação. Chegou a ameaçar com a suspensão do pleito.

PERDA DE CARGO E FORO
Em regra, esses casos todos deveriam todos sair do STF e migrar para a primeira instância, certo? Mais ou menos: se houver, por exemplo, pessoas com foro por prerrogativa de função entre os alvos, Moraes, relator dos cinco, pode puxar para si a competência.

E que se note: fala-se aqui dos crimes comuns. Há 16 processos no TSE sobre os eleitorais. O mais avançado já está na fase da apresentação de alegações finais, pode ser julgado pelo tribunal até o fim deste mês e resultar na inelegibilidade de bruto.

ENCERRO
O imbróglio das joias, apesar do valor ou por causa dele, tem certo acento folclórico se corrupção passiva não for. O “capitão”, que sempre fez marketing de sua suposta simplicidade e de seu desapego das coisas deste mundo — preocupado apenas em nos proteger dos comunistas — demonstrou, tudo comprovado, a sua vocação concupiscente.

Nove outras pessoas devem ser ouvidas simultaneamente. Entre elas estão o tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens e faz-tudo; Júlio César Viera, ex-secretário da Receita, e Marcelo Câmara, ex-assessor especial.

É pouco provável que esse caso leve o ex-presidente à cadeia. Já os outros, muito especialmente os inquéritos 4.781 e 4.921, marcam o encontro de Bolsonaro com o xilindró.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL. Nem a de LGLM!

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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