(Josias de Souza, Colunista do UOL em 05/04/2023)
Bolsonaro descobre da maneira mais constrangedora que pedestal não tem escada. Até 31 de dezembro, era superior hierárquico da Polícia Federal. Decorridos três meses, despencou para uma posição constrangedora e surpreendente. Constrange porque recebe da PF o tratamento de um reles suspeito de roubo de joias. Surpreende porque a suspeita está amparada em indícios fornecidos pelo próprio investigado.
No caso dos três estojos com joias sauditas, estimadas em R$ 18 milhões, Bolsonaro tornou-se uma caricatura burlesca de si mesmo. Mentiu mal. Primeiro, negou o recebimento de presentes. Pilhado, devolveu um pacote. Ocultou outro. Flagrado novamente, foi constrangido a devolver o embrulho que havia escondido na propriedade do amigo Nelson Piquet.
Antes de fugir para a Flórida, patrocinou oito tentativas de resgate do estojo de diamantes que jurou desconhecer. Posteriormente, passou a admitir que as joias vieram da Arábia Saudita para Michelle Bolsonaro. Alega agora que seriam incorporados ao patrimônio da União. Se fosse verdade, um simples ofício seria suficiente, como orientaram os fiscais da alfândega, em Guarulhos.
Na seleção do elenco de apoio, Bolsonaro agiu como um suicida didático. Rodeou-se de militares: o ministro-almirante que contrabandeou as peças masculinas, o tenente flagrado no Raio X com as joias femininas, o coronel faz-tudo que coordenou o plano de resgate da muamba milionária, o sargento palaciano que voou nas asas da FAB para dar a carteirada malsucedida nos fiscais do aeroporto.
Bolsonaro revelou-se um malfeitor didático. Deixou tantas pistas que parecia movido pelo desejo inconsciente de ser flagrado. Foi como se quisesse desvendar os crimes, cometendo-os. A PF trabalha com três imputações. Avalia-se que o peculato já está caracterizado. Pode haver também corrupção passiva e descaminho. Os dois primeiros crimes rendem de dois a 12 anos de prisão cada um. O terceiro, um a quatro anos.
A PF armou um cerco a Bolsonaro. Marcou para esta quarta-feira dez interrogatórios simultâneos, em salas diferentes. A lista inclui, além do capitão, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o ex-chefe da Receita Júlio César Gomes.
Sem mandato e sem a blindagem do antiprocurador Augusto Aras, Bolsonaro virou um personagem constrangedoramente precário. Constrange mais pela perguntas que é obrigado a ouvir dos delegados do que pelas respostas que não é capaz de fornecer.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL