Caso das joias sauditas expõe versões tortuosas para ato que seria corriqueiro
(O que a Folha pensa, em editorial de 06/04/2023)
Jair Bolsonaro (PL) anda mesmo com o prestígio em baixa. Apenas um homem com camisa do Brasil apareceu na sede da Polícia Federal em Brasília para apoiá-lo na quarta (5), quando depôs, como investigado, sobre as joias recebidas de autoridades da Arábia Saudita.
No mesmo dia, mas em São Paulo, também prestou depoimento Mauro Cid, tenente-coronel do Exército que foi ajudante de ordens do ex-presidente.
Muito precisa ser esclarecido sobre esse misterioso caso, a começar pelo estranhíssimo procedimento de entrada no Brasil, após visita da comitiva oficial ao país árabe. Por que um assessor do almirante Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia, tentou sonegar um estojo de joias avaliado em R$ 16,5 milhões?
Dias depois da primeira revelação, soube-se que não era apenas um pacote, e sim dois. Ambos com peças valiosas da marca suíça Chopard, mas com a diferença de que a alfândega flagrou apenas um —o outro passou às escondidas para o acervo pessoal de Bolsonaro.
Para espanto ainda maior, descobriu-se semanas depois que não se tratava de um ou de dois kits com joias, mas de três —o terceiro tendo sido entregue em 2019 ao próprio Bolsonaro, que atribui o gesto à relação de amizade que construiu com o mundo árabe.
Troca de presentes entre chefes de Estado é prática antiga e corriqueira. Tanto que o ex-presidente acumulou, em sua passagem pelo Planalto, mais de 19 mil itens.
A trivialidade desse tipo de intercâmbio, contudo, só reforça as suspeitas no caso. Afinal, por que se confundir com versões diferentes ao tentar justificar algo em tese tão simples? E por que mobilizar tanta gente para, no apagar das luzes do mandato, recuperar as joias retidas no aeroporto?
Entende-se, assim, por que o caso chamou a atenção não só da PF mas também do Ministério Público Federal e da Controladoria-Geral da União. A essas investigações ainda se somam outras tantas no Supremo Tribunal Federal, no Tribunal Superior Eleitoral e na Justiça comum. Não é pouca coisa.