Nem CLT nem MEI: trabalhadores de apps precisam de 3ª via (seguido de comentário nosso)

By | 12/04/2023 10:09 am

Relação trabalhista na ‘gig economy’ levanta uma série de dilemas em todo o mundo

(na coluna de Felipe Matos, na Folha, em 12/04/2023)

Foto do autor: Felipe MatosHá duas semanas, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região confirmou uma decisão de primeira instância que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre trabalhadores e a plataforma IXIA, que oferecia pagamentos por microtarefas realizadas pelo app, em sua maioria, ligadas a análise de trechos de áudio com os quais robôs de reconhecimento de voz possam ter falhado.

A empresa pedia que cada trabalhador se registrasse como microempreendedor individual (MEI) e pagava por tarefa concluída. Nada muito diferente de como operam os aplicativos de transporte e entregas no país, como iFoodRappiUber e 99.

A relação trabalhista na chamada gig economy intermediada por aplicativos vem sendo questionada no mundo inteiro e traz uma série de dilemas. Por um lado, os aplicativos criam novas formas de geração de renda e trabalho que sequer eram imaginadas – e por isso mesmo, têm dificuldade em se encaixar na legislação atual.

Por outro, ao enxergar entregadores como “empreendedores individuais”, numa relação que simplesmente paga por cada serviço prestado, precariza-se uma relação na qual o elo mais fraco é o trabalhador. E se acontece um acidente? E se o trabalhador fica doente? São casos em que, muitas vezes, os trabalhadores ficam desamparados. Teriam direito a mecanismos de auxílio como seguro e INSS caso estivessem sob regime da CLT.

Ao mesmo tempo, aplicar a CLT tradicional, além de ser oneroso e até proibitivo para os modelos de negócios, não se encaixa no modus operandi de muitos desses aplicativos.

É comum, por exemplo, que motoristas e entregadores trabalhem ao mesmo tempo para múltiplos aplicativos, conforme a demanda e incentivos de pagamento de cada momento. Eles também podem escolher quando trabalhar, ativando ou desativando-se dos apps a qualquer momento. Não há, muitas vezes, ingerência das empresas das empresas sobre o trabalho – ainda que um sistema de regras e incentivos possa ser usado para garantir ou coibir certos comportamentos.

Ao invés de tentar encaixar os trabalhadores na CLT ou MEI, acredito que é preciso pensar em uma terceira via regulatória. Um novo mecanismo que seja melhor compatível com a flexibilidade do mundo digital, sem deixar de proteger minimamente os trabalhadores, especialmente considerando que muitas vezes são de baixa renda.

Terceira via regulatória poderia pacificar disputas entre empresas de tecnologia e seus trabalhadores

O caminho pode ser simplificar a CLT ou complexificar o MEI, criando um esquema específico para os mais de 30 milhões de brasileiros que trabalham utilizando algum aplicativo. Nesse esquema, as empresas deveriam recolher na fonte e contribuir com o INSS ou um imposto específico e seguros obrigatórios, proporcionais ao tempo trabalhado.

Uma terceira via regulatória como essa poderia pacificar disputas entre empresas de tecnologia e seus trabalhadores, viabilizando modelos de negócios e ao mesmo tempo criando proteções se seguridade básica para quem precisa.

Comentário do programa

A CLT tem sido utilizada para tirar direito dos trabalhadores ou para fingir que os concede como o famigerado contrato intermitente, a maior fraude trabalhista que se cometeu nos últimos tempos. O MEI pode ser uma saída desde que seja utilizado para suprir aquilo que está faltando na legislação para acolher os trabalhadores dos aplicativos, um mínimo de segurança, para quando não puder trabalhar.  Qualquer legislação que se use tem que garantir aos trabalhadores uma futura previdência e seguros para os casos eventuais que tire deles a condições de trabalhar.  O trabalhador de aplicativos não pode continuar a ser a escória dos trabalhadores sem nenhum dos direitos concedidos aos demais, além da remuneração pura e simples. No caso específico, estamos nos referindo, nos trabalhadores menos qualificados da chamada “gig economy” que não optaram pela nova situação por opção própria ou por estarem eventualmente desempregados num mercado de trabalho onde podem concorrer com condições privilegiadas. Os trabalhadores da “gig economy”que nos preocupam são os que apelam para trabalhos alternativos, na sua maioria porque estão desempregados. Há uma parte deles, que usam a atividade como um suplemento para um emprego ou uma aposentadoria que não é suficiente para suprir as suas necessidades. Estes não estão tão preocupados com o acréscimo de direitos que demandam os desempregados. (LGLM)

Comentário

Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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