A oitiva de testemunhas é parte habitual do inquérito policial e não envolve nenhuma atribuição de responsabilidade em relação a quem foi convocado a depor. De toda forma, o que ocorreu na quarta-feira passada reafirma um ponto essencial do Estado Democrático de Direito: o poder militar está submetido ao poder civil. Por exemplo, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes foi ouvido durante sete horas, tendo sido questionado, entre outros temas, sobre a declaração, feita por coronéis da Polícia Militar, de que o Exército teria impedido o desmonte do acampamento de manifestantes bolsonaristas em frente ao Quartel-General, em Brasília.
Nesse fato aparentemente corriqueiro – a oitiva de testemunhas militares numa investigação criminal conduzida pela Polícia Federal –, reitera-se um princípio fundamental da República. Todos são iguais perante a lei. Não há exceções, não há privilégios. Igualmente submetidos ao poder civil, todos têm de respeitar a lei.
A oitiva dos militares na Operação Lesa Pátria é consequência direta do que estabelece a Constituição de 1988 e vem sendo reiteradamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Cabe à Justiça comum julgar eventuais crimes praticados por militares. Com competência restrita, a Justiça Militar julga apenas “os crimes militares definidos em lei”, tal como prevê o texto constitucional.
Em fevereiro, aplicando a jurisprudência do STF, o ministro Alexandre de Moraes afirmou a competência da Corte para processar e julgar os crimes ocorridos no 8 de Janeiro, “independentemente de os investigados serem civis ou militares”. A não diferenciação entre civis e militares foi uma decisão correta, preservando a igualdade de todos perante a lei.
A oitiva dos militares pela PF não é nenhuma afronta à autoridade das Forças Armadas, tampouco significa alguma forma de revisionismo histórico. Não se está discutindo a história, muito menos a Lei da Anistia. A Operação Lesa Pátria investiga crimes praticados em 2023 ou que tiveram seu desfecho em 2023. Ou seja, trata-se apenas da aplicação da lei vigente no Brasil, sem fazer distinções antirrepublicanas.
Reafirmando que os militares foram ouvidos na condição de testemunhas, o Exército comunicou que eles foram instruídos a colaborar com as investigações dos órgãos competentes. Fez bem o Exército. Afinal, no Estado Democrático de Direito só existe essa possibilidade. Todas as pessoas, especialmente os funcionários públicos, têm o dever de colaborar com as investigações realizadas pelos órgãos estatais. Não cabe nenhuma outra atitude. Eventual ordem para dificultar em alguma medida as investigações seria ilegal e com possíveis consequências penais.
Os atos do 8 de Janeiro foram gravíssimos e merecem a mais rigorosa apuração, investigando não apenas os militares, mas também seus eventuais mandantes. O que aconteceu em Brasília no segundo domingo de 2023 foi a negação da liberdade e da convivência pacífica – o uso da violência para afrontar os Poderes constitucionalmente constituídos. A melhor resposta que se pode dar a esses eventos bárbaros é o cumprimento da lei, com o respeito às competências judiciais e o funcionamento republicano das instituições, sem fazer distinções de pessoas, com privilégios ou com perseguições ideológicas.