O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer limitar a R$ 25 bilhões o bônus para investimentos adicionais que o governo poderá realizar caso haja uma entrada de receitas extraordinárias. A medida deve fazer parte do projeto do novo arcabouço fiscal, cujo texto ainda será apresentado pelo Executivo ao Congresso. Ao impor esse limite, a equipe econômica quer direcionar eventual aumento da arrecadação para a melhoria das contas do governo, de forma a estabilizar a evolução da dívida pública.
Embora a âncora tenha sido recebida com alguma desconfiança por parte dos investidores, haja vista que seu funcionamento dependerá muito do aumento da arrecadação, as críticas mais pesadas à proposta não têm vindo de economistas ou da oposição, mas do próprio Partido dos Trabalhadores (PT). Como revelou uma reportagem publicada pelo Estadão, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), disse que o partido quer que o Ministério da Fazenda reveja sua posição e libere os investimentos de qualquer trava.
Não é a primeira vez que a petista boicota os projetos de Haddad. A deputada, que não hesita em mandar recados públicos para constranger um dos principais ministros do governo que ela apoia, contribuiu diretamente para a manutenção da desoneração dos combustíveis por mais dois meses, algo indefensável sob o ponto de vista político, econômico e ambiental. Agora, Gleisi se arvora como defensora dos investimentos, que, sob seu ponto de vista, não podem ficar sob a mira fiscalista de Haddad. “A defesa do investimento público é uma posição consolidada do PT”, disse a parlamentar.
Há que reconhecer que a deputada sabe se posicionar politicamente. Sabendo da importância dos investimentos públicos para estimular o setor privado e alavancar o crescimento econômico, quem, em sã consciência, seria capaz de defender sua redução? Convenientemente, ao levantar essa discussão, a presidente do PT não menciona que a âncora proposta pela equipe econômica estabelece, também, um valor mínimo de R$ 75 bilhões.
Se o governo não conseguir atingir o piso da meta de superávit primário proposto pelo arcabouço, o crescimento das despesas, limitado a 70% do aumento das receitas, terá de cair a 50%. Essa restrição, no entanto, não poderá atingir os investimentos, que serão corrigidos pela inflação a cada ano, independentemente do que vier a ocorrer.
Na prática, os investimentos foram blindados do alcance do arcabouço justamente para atender aos caprichos do PT, uma concessão nem um pouco banal do Ministério da Fazenda. Como quase 95% das despesas do Orçamento são compostas por dispêndios obrigatórios, o espaço para os gastos discricionários, além de pequeno, é composto basicamente por investimentos. Essa exceção foi, inclusive, um dos aspectos que levaram economistas a questionar a solidez da âncora – e não se trata de má vontade do mercado.
Nos últimos anos, se houve uma despesa sobre o qual o desmoralizado teto de gastos se mostrou implacável, foram justamente os investimentos. Eles foram reduzidos a R$ 42,3 bilhões no Orçamento de 2022, o menor nível da história, para que o então presidente Jair Bolsonaro deixasse intocado o escandaloso orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão.
A não ser que Lula decida fazer reformas estruturais, o que, pelo histórico das administrações petistas, não parece ser o caso, a obtenção de superávits primários dependerá fortemente do aumento das receitas. Para aprovar medidas na área tributária, no entanto, o governo terá de construir uma base forte no Congresso, o que tampouco, por ora, parece ser o caso.
Em vez de fazer esse trabalho fundamental para o governo, o PT conseguiu o feito de deixar escapar o apoio do PDT e do PSB, que passaram a integrar o bloco do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Enquanto isso, a oposição se presta a fazer algazarras em audiências com ministros e produzir cenas que somente agradam a seus próprios seguidores nas redes sociais. Fato é que, até agora, quem melhor tem feito oposição ao governo, ironicamente, é o Partido dos Trabalhadores.