Iniciativa privada no serviço público (seguido de comentário nosso)

By | 19/04/2023 7:14 am

É preciso superar a identificação entre ‘público’ e ‘estatal’. Com regulação, contratos e supervisão adequados, entidades privadas prestam serviços públicos com mais qualidade e menor custo

 

(Editorial do Estadão, em 19/04/2023)

 

Imagem ex-libris

Desde os anos 90 vem se consolidando – não sem certa inércia da sociedade e recalcitrância de enclaves políticos – a consciência de que o Estado não só não precisa ser empresário, como serviços públicos não precisam ser prestados por estatais. Com boa regulação, bons contratos e boa supervisão, a iniciativa privada tende a oferecer produtos e serviços com mais eficiência a menor custo. Ante o aperto fiscal crônico – agravado após a recessão e a pandemia –, cresce a disposição de gestores públicos de buscar a colaboração com a iniciativa privada a partir de modelos como as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e concessões.

Em 2021, a Escola de Administração Pública e a Comunitas lançaram o Mapa da Contratualização de Serviços Públicos, sistematizando a informação sobre parcerias e contratos de gestão. Agora, a segunda edição oferece um guia de navegação entre os diversos modelos de contratualização. As duas publicações formam uma enciclopédia à disposição dos gestores públicos para que possam identificar boas práticas e as melhores opções de contratualização.

“O Estado está se especializando nas funções de inteligência, regulação e financiamento, puxando assim funções estratégicas; e o setor privado se especializa na execução dos serviços”, resumiu o coordenador do Mapa, Fernando Schuler. O princípio de uma boa sinergia na prestação de serviços é estabelecer a correta distinção, sem separação, entre as responsabilidades do setor público e do privado. O primeiro se responsabiliza por parte dos investimentos; pela determinação, conforme o interesse público, de regras e metas, incluindo as tarifárias; e pela supervisão desses objetivos. O segundo se compromete a complementar os investimentos e a realizar a gestão e execução dos serviços conforme os padrões especificados pelo Poder Público.

Há inúmeros exemplos de sucesso. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, quase todos os 40 melhores hospitais públicos brasileiros são geridos por Organizações Sociais e outros modelos de parceria com o setor privado. Fatores como a autonomia gerencial dos especialistas, métricas de resultado e mecanismos de contratações mais ágeis explicam esse desempenho. Em Belo Horizonte, 50 escolas operam sob um modelo híbrido: o parceiro privado cuida da gestão, e os professores da rede municipal, do ensino. A avaliação dos serviços é superior e os diretores têm 25% mais tempo para se dedicar a atividades educacionais, em vez de cuidar da administração. Além disso, as unidades foram construídas em um tempo 45% inferior ao gasto nas unidades estatais.

Há um amplo campo de atuação para aprimorar os modelos. Muitas licitações ainda são sobrecarregadas por detalhamentos sobre os meios (como procedimentos e insumos) para se atingir os fins desejados, com efeitos frequentemente contraproducentes. Seria mais relevante focar nesses fins, ou seja, preço, prazo e performance, e deixar às entidades especializadas a seleção dos meios. Para que isso funcione, é essencial que os contratos comportem regras claras de responsabilização e seguros-garantia para que, em caso de inadimplência ou baixo desempenho, os prestadores possam ser descontratados e substituídos rapidamente, garantindo a continuidade dos serviços.

À parte essas modernizações técnicas, gestores e cidadãos preocupados com a qualidade dos serviços públicos devem se empenhar em um trabalho de conscientização. “É preciso confrontar a ideia comum de que os modelos de contratualização pretendem diminuir, de algum modo, o alcance das políticas públicas ou o papel do Estado na garantia dos direitos de cidadania”, advertem os pesquisadores. “Ao contrário, o foco do novo modelo é exatamente assegurar eficiência à ação do Estado. Isto é, garantir que os serviços prestados aos cidadãos usuários do serviço público, em regra de menor renda, apresentem qualidade similar aos serviços contratados por cidadãos com maior renda, no setor privado. Este é, em última instância, o fim ético da reforma do Estado: promover uma maior igualdade no acesso a serviços.”

Comentário nosso

Temos defendido, desde muito tempo, uma mudança na forma de contratação do serviço público para tarefas administrativas. Os servidores administrativos deveriam ser todos celetistas de modo a serem cobrados como são cobrados os empregados de qualquer empresa. Sujeitos a serem dispensados se não estiverem cumprindo as funções para os quais foram contratados. Outra alternativa é a que está sendo utilizada pela Uniuão, por alguns Estados e prefeituras, principalmente na área de saúde. A constitução de empresas que contratam através de concurso público, mas que utilizam também o regime celetista para poderem dispensar, na hora que se tornar necessário, os servidores que não estejam servindo para as funções para as quais foram admitidos. A outra alternativa é esta defendida pelo editorial do Estadão. A contratação de empresas para prestação de serviços. O problema é que em grande parte dos casos que conhecemos estas empresas ou pertentem a políticos ou a pessoas que são ligadas a políticos e utilizam na seleção dos seus empregados apenas critérios políticos, dando preferência a seus cabos eleitorais e eleitores.  Admitidos através de políticos ou interesses políticos estes empregados passam a dispor de uma espécie de estabilidade semelhante àquela dos admintidos pelo poder público nos casos de estatutários. Ninguém os demite. Junto àquelas duas primeiras alternativas (servidores celetistas ou empregados públicos celetistas), a contratação de empresas para prestação de serviços poderia ser adotada desde que as empresas contratadas o fossem sem nenhum apadrinhamento político e fossem mantidos em vigor os contratos, enquanto estivessem cumprindo estritamente a finalidade da sua contratação. Dificil é conseguir isso num país, onde os políticos querem se imiscuir em tudo, desde que sirvam aos seus próprios interesses. Precisamos mudar a mentalidade de nossos políticos. Mas isso, diz a experiência, só será possível se dispensarmos a maioria dos nossos políticos. (LGLM)

 

Comentário

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *