A revelação, pela CNN, de imagens de câmeras de segurança do Palácio do Planalto nas quais aparece o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, durante a invasão de bolsonaristas da sede do Executivo no 8 de Janeiro precipitou um turbilhão político. Os trechos divulgados mostram agentes acompanhando Dias no terceiro andar enquanto os invasores circulam sem serem detidos.
O agora ex-ministro alega que atuou para conduzi-los ao segundo andar, onde, com o reforço da PM, as prisões foram realizadas. É plausível, mas, na prática, o estrago político está feito – afinal, desde aquele fatídico dia, os bolsonaristas se empenham em emplacar a tese de que a invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes foram facilitadas e lideradas por “infiltrados” do governo e do PT.
No meio político, as versões abundam e se chocam. Membros do governo alegam que os agentes do GSI seriam bolsonaristas e estariam apoiando o vandalismo até a chegada de Dias, homem de confiança do presidente Lula da Silva, para impor a ordem. A oposição reavivou teorias conspiratórias e questionou a parcialidade da Justiça na condução dos processos. Tornou-se insustentável a posição do ministro, que se demitiu, e o governo, antes refratário à instalação de uma CPI sobre o 8 de Janeiro, por temer que se transformasse em ribalta para a oposição, passou a apoiá-la.
Há muitas questões no ar. Se os agentes foram coniventes, por que não foram denunciados pelo ministro? Se o presidente sabia dessa conduta, por que não demitiu todos antes? Por que a Procuradoria-Geral da República não os denunciou e o Supremo Tribunal Federal não os indiciou?
São indagações cujas respostas são urgentes, sem tergiversações, mas isso só será possível se e quando se levantar o sigilo de todas as imagens daquele dia trágico em Brasília, para que sejam escrutinadas pela sociedade. Sem isso, todas as teorias podem fazer sentido, ainda mais quando vêm acompanhadas de imagens cuja autenticidade se desconhece e que podem ter sofrido toda sorte de manipulações.
Tudo isso expõe – in nuce, mas de maneira explosiva – um vício de origem, com todas as suas consequências nefastas: a cultura da opacidade entranhada em Brasília.
Todo poder emana do povo. Os membros dos Três Poderes são mandatários, o povo é seu mandante. E, no entanto, o mandante tem sido mantido no escuro por seus mandatários. Na coisa pública, a transparência é a regra, e o sigilo, a exceção, como está na Constituição.
Por que, então, três meses após as invasões, as cenas registradas pelas câmeras dos Três Poderes ainda não estão disponíveis para exame da população? Pode haver maior interesse público que a verificação dos fatos ocorridos durante o maior atentado à democracia desde o fim da ditadura? Se há trechos que põem em risco a segurança nacional ou dados constitutivamente sigilosos, que sejam mantidos sob segredo, devidamente justificado. Mas, obviamente, eles são exceção. O resto já deveria estar à disposição dos cidadãos.
No entanto, não só as gravações, mas todos os inquéritos são mantidos sob sigilo. E não há meses, mas há anos, já que as investigações sobre o 8 de Janeiro foram incorporadas ao inquérito secreto das fake news aberto em 2019.
Essa situação sombria, além de ser, por princípio, inaceitável, é contraproducente para os próprios Poderes. Governo e Congresso se veem colhidos pela turbulência quando têm pautas importantíssimas a avançar, como o arcabouço fiscal ou a reforma tributária. A Justiça, justamente no momento em que inicia o julgamento dos acusados pelas invasões, é enredada por suspeitas e pressões políticas de todos os lados. Ela está colhendo o que plantou. Mas os frutos são amargos para a população. O sigilo fere justamente o bem que supostamente deveria preservar: a normalidade institucional.
Para resgatá-la, não é preciso mais que seguir a Constituição: a publicidade é a regra. O Brasil não pode ficar refém das versões fabricadas nos desvãos de Brasília. Transparência já!