O valor do jornalismo na era digital

By | 22/04/2023 1:30 pm

A remuneração de conteúdos jornalísticos utilizados pelas redes digitais é uma questão de justiça comercial, de fortalecimento da democracia e de autointeresse das próprias redes

 

(Editorial do Estadão, em 22/04/2023)

 

Imagem ex-libris

Como afirma o Manifesto, os debates sobre o Projeto de Lei (PL) das Fake News (2630/20) são uma oportunidade para avançar a discussão sobre a justa remuneração aos veículos de imprensa pelo conteúdo produzido por eles e utilizado pelas redes digitais.

À medida que as pessoas passaram a consumir cada vez mais as notícias online houve uma desconexão entre os produtores de conteúdo, a publicidade que o financia e o público que precisa dele. As notícias apuradas pela imprensa são veiculadas pelas redes na forma de trechos; os trechos são acessados e compartilhados pelos usuários, sem que cheguem a ingressar nas plataformas jornalísticas; e as receitas de publicidade são absorvidas pelas redes. No caso, o duopólio Google-Facebook domina o mercado de publicidade digital e controla a infraestrutura de distribuição e remuneração dos conteúdos.

Em todo o mundo empresas de comunicação e governos têm examinado formas de repassar parte dessas receitas aos seus produtores. A Austrália promulgou em 2021 uma legislação pioneira criando um sistema de arbitragem que força as redes a negociar diretamente com os produtores. Esse é o modelo aventado no PL das Fake News.

Os críticos, no entanto, advertem para o risco de que os pequenos produtores sejam preteridos nas negociações em favor das grandes empresas de mídia. Uma outra opção seria análoga ao mercado de streaming, especialmente de música. Para tanto, seria preciso criar uma instituição independente, que registraria os produtores, monitoraria a utilização de seu conteúdo e recolheria e distribuiria receitas obtidas com licenças de uso. Há ainda uma terceira opção que prevê a tributação das receitas da publicidade digital e a canalização de parte da arrecadação para o jornalismo independente e de interesse público. Talvez uma abordagem sistêmica para uma solução sustentável seja a combinação ou justaposição dos três modelos.

Para que o debate seja conduzido com transparência rumo à satisfação do interesse público, há algumas precondições que deveriam ser observadas pelas partes envolvidas. O poder público deveria exigir que as redes forneçam mais dados sobre o tráfego e a monetização dos conteúdos. Os próprios veículos de comunicação precisam aprimorar seus métodos de coleta e análise de dados para melhor entender as relações entre tráfego, publicidade e monetização. Mais importante é que eles se conscientizem de que, sem solidariedade e uma abordagem coletiva, não serão capazes de equilibrar minimamente a relação assimétrica de poder com as Big Techs.

Seja qual for o modelo, o fato é que a remuneração pela utilização dos conteúdos é uma questão de justiça, de interesse público e do autointeresse das próprias redes. Primeiro, porque é injusto que elas lucrem com conteúdos sem compensar os seus produtores. Depois, porque não se trata de um conteúdo qualquer: notícias confiáveis produzidas – a custo alto – por veículos independentes são vitais para a manutenção e o vigor do pluralismo democrático. Por fim, justamente em razão dessa missão, a imprensa é hoje o principal antídoto contra o conteúdo tóxico disseminado por multidões de usuários mal-intencionados das redes, como os discursos de ódio e desinformação, que tanto têm contribuído para o seu descrédito, gerando ameaças de controle e punição por parte dos governos.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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