A necessária coerência do STF

By | 26/04/2023 2:12 pm

Denúncias do 8 de Janeiro impõem múltiplos desafios à Justiça. O STF tem o dever de aplicar a lei e ser coerente com sua jurisprudência, sem buscar aplausos de quem quer que seja

 

(Editorial do Estadão, em 26/04/2023

 

Imagem ex-libris

No início do ano, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), foram instaurados no Supremo Tribunal Federal (STF) diversos inquéritos relativos ao 8 de Janeiro. Além de investigações sobre os executores – muitos deles foram presos em flagrante –, abriram-se inquéritos para apurar a responsabilidade dos autores intelectuais, dos financiadores, dos partícipes por auxílio material e das pessoas que instigaram os atos criminosos.

Agora, o STF começou a analisar as denúncias apresentadas pela PGR com base nas investigações feitas. Na segunda-feira, a Corte decidiu pela admissibilidade do primeiro conjunto de acusações contra 100 pessoas. No dia seguinte, iniciou-se a sessão virtual para a apreciação de mais de duas centenas de denúncias. Essa sessão se encerra no dia 2 de maio, mas é apenas o início de um longo trabalho. Até o momento, a PGR denunciou 1.390 pessoas pelos atos do 8 de Janeiro, envolvendo tipos penais que vão desde incitação ao crime e deterioração de patrimônio tombado até associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

O julgamento desses casos impõe múltiplos desafios ao Judiciário, a começar pelo grande número de pessoas envolvidas. É um trabalho imenso, que sobrecarrega ainda mais a já sobrecarregada estrutura da Justiça. Basta pensar que o STF, além de todas as denúncias do 8 de Janeiro, que podem se transformar em ações penais, com suas várias fases, tem muitas outras tarefas como Corte constitucional.

Mas as questões operacionais, como o grande volume de trabalho, são apenas uma parte – nem sequer é a principal – dos desafios suscitados pelo 8 de Janeiro. O grande tema é o respeito à legalidade, com a aplicação da lei penal e processual penal em circunstâncias tão excepcionais. Caminhos extralegais poderiam não apenas suscitar nulidades e impunidades – o que seria extremamente prejudicial ao País –, mas gerar uma perda de autoridade e de legitimidade da Justiça, com o risco de autores de crimes gravíssimos serem transformados em vítimas ou mesmo em heróis nacionais.

Sobre os cuidados que o STF deve ter, destacam-se alguns pontos. Até aqui, por força das próprias circunstâncias, houve acentuado protagonismo do ministro Alexandre de Moraes. Ainda que possam ser feitos reparos em sua atuação à frente dessas investigações – não existe perfeição na vida pública –, é inegável sua contribuição, por meio de diligente exercício jurisdicional, na defesa do Estado Democrático de Direito. No entanto, é chegada a hora de esse protagonismo individual diminuir.

É preciso que toda a atividade do STF relacionada aos atos do 8 de Janeiro esteja revestida do caráter colegiado da Corte, o que tem duas consequências práticas. Em primeiro lugar, o trabalho jurisdicional envolvendo os inquéritos e as denúncias sobre os atos antidemocráticos deve estar apoiado solidamente na lei e na jurisprudência do Supremo. Nos últimos anos, a Corte fez um trabalho de grande importância a respeito da Operação Lava Jato; entre outros temas, corrigiu excessos e recordou regras de competência e de imparcialidade. Toda essa jurisprudência – verdadeiro aprendizado civilizatório – não pode ser agora ignorada.

A segunda consequência diz respeito à atuação dos outros ministros do STF. A defesa em uníssono do Estado Democrático de Direito não significa concordar com tudo o que é feito ou proposto pelo ministro Alexandre de Moraes. Unanimidades baseadas em circunstâncias, e não em rigorosas avaliações jurídicas, podem ser muito perigosas, ao possibilitar transigências com a lei e com a jurisprudência da Corte.

Pode parecer que, com os casos do 8 de Janeiro, o STF tem uma tarefa impossível a realizar: num contexto de acirramento político, apurar de forma isenta as diversas responsabilidades jurídicas. Mas a missão é viável. Basta que cada ministro viva o que se pede a todo juiz: a coerência de aplicar a lei, sem preferências e sem animosidades, com a valentia de desagradar, se assim for preciso, à opinião pública.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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