O Congresso não pode apenas acumular poder e exercê-lo sem quaisquer controles. A República não admite Poderes incontidos. Passa da hora de o País discutir a sério o ‘semipresidencialismo’
O que se vê instalado no Brasil há alguns anos é um modelo de governança a um só tempo disfuncional e muito distante do espírito da Constituição de 1988. Em troca da chamada governabilidade, presidentes fracos – seja moral, política ou administrativamente – têm cedido cada vez mais poder ao Congresso, que, por sua vez, o tem exercido sem ser contido pelos freios próprios do parlamentarismo, como a moção de censura ou o poder de dissolução do Parlamento pelo presidente, com convocação de novas eleições. Não há como essa gambiarra à brasileira dar certo. Ademais, a República não admite Poderes incontidos.
A bem da verdade, Lula não é o primeiro presidente a ter de se submeter aos humores e à voracidade de parlamentares oportunistas, que sentem o cheiro do sangue que governos fracos jorram na água. Mas poderia ser o último, se assim realmente quisesse. Não parece ser o caso.
O mesmo Lula que prometeu durante a campanha eleitoral não apenas “salvar a democracia” no Brasil, como resgatar o presidencialismo do limbo é o presidente que ora apenas assiste, inerte, ao aumento do protagonismo do Congresso em troca de uma governabilidade extremamente frágil. Muito diferente daquele Lula bravateiro da campanha de 2022, o presidente parece tão acuado que, há poucos dias, sentiu-se compelido a pedir desculpas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pela falta de traquejo de seus emissários para a articulação política com os parlamentares.
Desde o trevoso governo de Dilma Rousseff, a quem pode ser atribuída a concepção desse modelo de empoderamento desmesurado do Congresso, tanto por sua fraqueza política como por sua notória, até anedótica, ojeriza à interlocução com deputados e senadores, o Poder Legislativo vem ocupando o espaço vazio deixado por presidentes que não apresentaram ao País nem um programa de governo inclusivo e responsável, capaz de envolver diferentes segmentos da sociedade em torno de objetivos comuns, nem disposição para governar de fato. A exceção foi o governo de Michel Temer, que tentou – e em boa medida conseguiu – estabelecer um reequilíbrio de forças na Praça dos Três Poderes, ao qual se convencionou chamar de “semipresidencialismo”.
Passa da hora de o País discutir a sério a adoção desse modelo. A estrovenga que ora impera como modelo de governança informal do País não está funcionando, ou ao menos só tem funcionado bem para o Congresso. Para o Brasil, é tão ruim estar à mercê de presidentes fracos como de um Congresso forte, porém sem controle no exercício de seu poder.
Os brasileiros, como é sabido, já rejeitaram o parlamentarismo por mais de uma vez, talvez por depositar na figura do presidente da República todas as suas esperanças, angústias e revoltas. Talvez seja o caso de tentar o modelo “semipresidencialista”. É muito difícil, para não dizer impossível, imaginar o Congresso cedendo um naco que seja do poder que acumulou nos últimos anos. Que ao menos, então, passe a exercê-lo com mais responsabilidade na figura de um primeiro-ministro que pode cair quando errar, sem provocar grandes crises, ou ser reconduzido pelo tempo em que estiver governando o País como deseja a maioria dos brasileiros, por meio de seus representantes no Parlamento.
Há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da adoção do “semipresidencialismo” no Brasil a partir da eleição de 2030, dando chance ao atual presidente de concorrer à reeleição. É hora de desengavetá-la.
Comentário nosso
Concordo plenamente com o Estadão. O Brasil está realmente “sem freio e sem cabresto”. Um Congresso venal e desenfreado que não permite ao presidente que governe eficazmente. Já tornaram pior o desgoverno de Bolsonaro, que realmente não sabia governar, e agora torna inútil o governo de Lula que já governou o país eficazmente por dois mandatos. (LGLM)