Proposta que perdoa infrações de partidos é escândalo que rebaixa o Congresso
(Editorial da Folha, 05/06/2023)
Não foi por acaso que a proposta de emenda à Constituição número 9/2023 ganhou, mesmo entre seus defensores, o apelido de PEC da Anistia. Com essa iniciativa, os parlamentares querem assegurar que permaneçam impunes irregularidades cometidas pelos partidos políticos no uso de dinheiro público nos últimos ciclos eleitorais.
Reconheça-se a qualidade da alcunha; talvez fosse melhor, contudo, chamar a proposta de PEC da Desfaçatez. Pois é disso que se trata: deputados e senadores não se pejam de modificar o texto constitucional com o único objetivo de se protegerem das punições que, tudo indica, eram líquidas e certas.
Em defesa do Congresso, diga-se que coerência não lhe falta. Essa não será a primeira vez que, num gesto de onipotência, ele não só pede perdão a si próprio como também o concede, garantindo que infrações às regras do jogo mereçam nada além de um profundo oblívio.
Pelas normas em vigor nas eleições de 2022, as agremiações estavam obrigadas a repassar recursos para mulheres e pessoas negras de forma proporcional à quantidade de candidaturas. Ocorre que, da direita à esquerda, do governo de turno à oposição, quase nenhuma legenda cumpriu esse ditame.
Que os políticos gostem ou não desse tipo de ação afirmativa é irrelevante. A eles compete produzir leis, não descumpri-las.
O caso das cotas nem é a única infração cometida quase à unanimidade. Há ainda a malversação do dinheiro público detectada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Ao julgar com atraso as contas dos partidos relativas a 2017, a corte determinou a devolução aos cofres públicos de ao menos R$ 40 milhões, a título de ressarcimento e multa —valor que ainda precisa ser corrigido pela inflação.
Entre as situações mais graves está a do Pros, partido do qual quase ninguém se lembra e que foi incorporado ao Solidariedade neste ano. Pois essa agremiação nanica julgou oportuno queimar o dinheiro do contribuinte em itens como 3.700 quilos de carne, além da construção de uma piscina e da reforma da casa de Eurípedes Jr., que vem a ser ex-presidente do Pros.
A PEC da Anistia ainda está em tramitação no Congresso, o que significa que deputados e senadores ainda podem se corrigir. Caso não o façam, estarão dizendo para toda a sociedade que não têm escrúpulo de amesquinhar o valor da Casa a que pertencem.