Na reunião, Jair Bolsonaro, então candidato à reeleição, questionou, usando argumentos falsos, distorcidos e anteriormente refutados pelo TSE, a lisura do processo eleitoral. O presidente do TSE à época, ministro Edson Fachin, qualificou como “muito grave” a acusação de fraude contra a Justiça Eleitoral “mais uma vez, sem apresentar prova alguma”. Na ocasião, este jornal lembrou que o ataque de Bolsonaro contra a democracia e as instituições brasileiras perante os embaixadores era mais um crime de responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos que o então presidente da República praticava impunemente (ver o editorial Bolsonaro desonra o Brasil, do dia 20/7/22).
Na ação que será julgada pelo plenário do TSE, discute-se se os ataques de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro, enquanto difusão de desinformação sobre as eleições, configuram condutas vedadas pela legislação eleitoral e que ensejam a inelegibilidade. Na petição inicial, o PDT lembra uma decisão da Corte eleitoral de outubro de 2021, na qual o deputado estadual eleito pelo Paraná Fernando Destito Francischini foi cassado por divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação. Segundo o TSE, a conduta de Francischini configurou abuso de poder político e de autoridade, bem como o uso indevido dos meios de comunicação – práticas vedadas pelo art. 22 da Lei Complementar (LC) 64/1990.
Após a instrução probatória, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) apresentou parecer opinando pela procedência parcial da ação proposta pelo PDT. Defende que seja declarada a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, por considerar que suas ações configuraram abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Em relação a Braga Netto, a PGE pede a absolvição, por entender que não restou provada a participação do então candidato a vice-presidente no caso.
Espera-se que, avaliando os fatos trazidos aos autos, o TSE aplique a legislação eleitoral, em consonância com sua jurisprudência. Não é questão de ser mais ou menos rigoroso, tampouco de inventar novas interpretações jurídicas. É preciso apenas fazer cumprir a lei, sem criar algum tipo de tratamento especial em razão das pessoas envolvidas no caso. O princípio da igualdade de todos perante a lei é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
As inelegibilidades previstas na LC 64/1990 concretizam as disposições constitucionais sobre os direitos políticos. A Constituição diz que a legislação estabelecerá casos de inelegibilidade “a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, § 9.º).
As hipóteses de inelegibilidade são instrumentos importantes de defesa da democracia. Elas contribuem para assegurar, entre outros bens, as condições de igualdade entre os diversos candidatos. Como diz o caput do art. 14 da Constituição, “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”, de acordo com os “termos da lei”. O regime democrático não é uma ideia vaga. Ele se realiza pelo cumprimento da legislação eleitoral.
Diante das muitas e variadas expectativas, lembra-se que o TSE não é uma corte política. Ele aplica o Direito, o que demanda fundamentação técnica e rigorosa. Cumprir bem esse requisito é a melhor forma de proteger a democracia.