Casos dos robôs educativos e da Codevasf mostram baixo controle sobre emendas
(Editorial da Folha, em 12/06/2023)
Se fosse uma série, o roteiro talvez merecesse críticas por faltar-lhe verossimilhança: parlamentares destinam R$ 26 milhões para comprar kits de robótica que serão utilizados em escolas sem laboratório de ciências, sem internet e sem água encanada.
Em desmandos da política, contudo, não raro a realidade supera a ficção; o caso, revelado por reportagem da Folha, é apenas o mais recente em uma longa lista de episódios que roçam o surrealismo.
Nos capítulos atuais, a Polícia Federal investiga um casal que retirava dinheiro em espécie de agências bancárias e entregava os valores a pessoas ainda não identificadas.
Outro aliado de Lira, o vereador João Catunda, de Maceió, estaria por trás da empresa que adquiriu kits por R$ 2.700 e os revendeu para cidades alagoanas por R$ 14 mil.
A hipótese de corrupção salta aos olhos e, com razão, exaspera o cidadão que cumpre suas obrigações dentro da lei. É o dinheiro dos impostos, afinal, que locupleta quem se beneficia de desvios.
Não se deve perder de vista, porém, que o caso seria grave mesmo que não tivesse todas as digitais de um esquema espúrio. É que, mesmo nessa eventualidade, haveria enorme desperdício de verbas muito necessárias país afora.
Tome-se a situação da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Contratos com empreiteiras pouco conhecidas suscitam desconfiança, mas o maior ralo de dinheiro talvez nem seja esse, e sim a subversão da estatal.
Em tese voltada à irrigação, ela parece servir mais para a pulverização dos recursos federais em pequenos projetos. Tudo direcionado para acólitos e familiares de políticos e, pior, sem avaliação de prioridades, necessidade ou eficiência.
Como no caso dos kits de robótica, ainda que de fato fossem comprados a bom preço, que valia teriam em escolas sem internet?
Ambos os episódios ilustram os frutos podres das práticas fisiológicas. Elas não surgiram ontem, mas ganharam novo impulso com o aumento do poder do Congresso sobre o Orçamento. Emendas parlamentares foram o duto por onde o dinheiro passou antes de chegar aos kits de robótica e à Codevasf.
Nada há de errado em o Parlamento definir despesas; tudo vai mal, entretanto, quando há pouco controle e ainda menos transparência no trato da coisa pública.