Estratégia de sobrevivência política imita a adotada por Lula em 2018, com tese de injustiça e perseguição
Aliados de Jair Bolsonaro (PL) afirmam que, caso o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) torne o ex-presidente inelegível no julgamento que começa na próxima quinta (22), a estratégia política será mantê-lo no jogo eleitoral, evitando indicar um sucessor e agarrando-se à possibilidade de reverter a derrota com recursos.
Nos bastidores, políticos bolsonaristas dão como certa a condenação por abuso de poder político em função da reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado, quando fez acusações contra o sistema eleitoral sem apresentar provas.
Embora a possível inelegibilidade abra caminho para outros nomes da direita na eleição de 2026, interlocutores de Bolsonaro avaliam que trabalhar desde já para construir uma alternativa no campo bolsonarista esvaziaria o capital político do ex-presidente.
A orientação é insistir em recursos até o último momento e não sair de cena —assim como fez o presidente Lula (PT) em 2018, quando lançou mão de todos os instrumentos jurídicos e só trocou sua candidatura pela de Fernando Haddad (PT) quando não havia alternativa.
A tática de não admitir a derrota beneficia ainda o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que, na opinião de auxiliares de Bolsonaro, é visto por ele como um sucessor natural, por ter sido seu ministro, vencido as eleições no estado com seu apoio e se mantido fiel.
Tarcísio tem evitado ocupar a arena eleitoral, pregando foco na gestão local e afirmando que seu plano para o estado é de longo prazo, o que o faria buscar a reeleição.
Segundo deputados aliados do governador, Bolsonaro indicá-lo como candidato à Presidência tanto tempo antes do pleito serviria apenas para que Tarcísio se tornasse alvo de adversários e até de fogo amigo.
Quem conhece o ex-presidente diz ainda que sua desconfiança também é um impeditivo para nomear um substituto tão cedo.
Além disso, a escolha de um bolsonarista para competir em seu lugar teria que ser pactuada com uma série de aliados e de dirigentes de partidos, envolvendo também os filhos do ex-presidente e sua mulher Michelle, que flerta com uma carreira política.
Todos esses fatores levam auxiliares do ex-presidente a adotarem cautela ao mencionar nomes que possam herdar votos bolsonaristas. A manutenção de Bolsonaro na liderança desse segmento evitaria a briga antecipada de aliados com ambições eleitorais.
Além de Tarcísio, são mencionados como nomes do campo oposicionista os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
A mensagem ensaiada pelo bolsonarismo diante do risco no TSE lembra a de Lula quando estava preso pela Operação Lava Jato e explorou alegações como injustiça e perseguição. O petista, que derrotou Bolsonaro no ano passado, concorreu após ter suas condenações anuladas em 2021.
Bolsonaristas se referem a Lula como “descondenado” e difundem a tese de que o petista recuperou os direitos políticos graças a um grande acordo do Judiciário.
Bolsonaro tem indicado em suas falas que a eventual inelegibilidade não será encarada como morte política. Nas últimas semanas, o ex-presidente evitou confrontar o TSE e deu a entender que já se conforma com o resultado negativo, embora considere a decisão injusta.
Na quarta-feira (14), durante evento do PL em Brasília, ele fez críticas genéricas à Justiça ao comentar os “mais de 500 processos” que enfrenta e disse que ainda pode contribuir muito para o futuro do país, “aconteça o que acontecer”.
“Valdemar [Costa Neto, presidente do partido] sabe como é que é a política brasileira e já sabemos como é a Justiça aqui no Brasil. Então, a gente se prepara para que aconteça o que acontecer… A gente se prepara com muita altivez aí para buscar alternativas”, afirmou o ex-presidente.
“Acredito em Deus, neste país, a vida nossa não é fácil, mas tudo bem, a gente enfrenta esses obstáculos”, reforçou.
“Se me tornarem inelegível, logicamente me afastam do jogo democrático. […] Eu peço a Deus, né, que ilumine aí o pessoal do TSE e não torne inelegível um inocente”, disse, chamando de exagero deixá-lo fora das eleições pela reunião com embaixadores, que ele diz ter sido legítima e regular, diferentemente do que sustenta a acusação contra ele na corte eleitoral.
Em caso de condenação, cabem apelações ao próprio TSE e ao STF (Supremo Tribunal Federal).
A linha de argumentação do ex-presidente inclui atribuir a decisão negativa a uma espécie de conluio entre a Justiça e o grupo ora no poder —de Lula e da esquerda. “Nós devemos enfrentar os adversários é nas urnas, e não nos tribunais”, afirmou na capital paulista, em recado aos rivais.
Integrantes do centrão e de grupos da direita que discutem as eleições de 2024 e 2026 consideram Bolsonaro um cabo eleitoral indispensável e afirmam que a presença dele nas articulações, mesmo não sendo candidato, é importante para atrair o voto dos eleitores que o apoiaram.
“Se essa injustiça acontecer, o TSE estará criando um líder político sem precedentes na história”, disse o presidente do PP, Ciro Nogueira, em entrevista à Folha nesta semana.
No último dia 5, durante evento do grupo Esfera, em São Paulo, Ciro afirmou também que “condenar o líder de milhões de brasileiros por conta de uma reunião de embaixadores e permitir uma candidatura como a do Lula, com todas as acusações, é uma coisa um pouco desproporcional”.
Nas redes sociais, os filhos do ex-presidente e a militância bolsonarista têm silenciado sobre o risco de condenação no TSE.
Há alguns dias, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) criticou a corte pela cassação do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e disse que a decisão foi “um absurdo jurídico que só partidários de uma ditadura conseguem defender”.
Em entrevista à Folha em março, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que tornar o pai inelegível “seria a maior atrocidade das últimas décadas” e uma interferência na democracia.