Ideia era utilizada para absolver acusados de feminicídio e agressões contra mulheres. Julgamento foi suspenso e será retomado após o recesso.
(Luiz Felipe Barbiéri, Fernanda Vivas e Márcio Falcão, g1 e TV Globo, em
Tese era utilizada em casos de agressões ou feminicídios para justificar o comportamento do acusado — Foto: Giuliano Gomes/PR PRESS
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta sexta-feira (30) para confirmar que é inconstitucional a tese da legítima defesa da honra.
A tese era utilizada em casos de agressões ou feminicídios para justificar o comportamento do acusado em casos, por exemplo, de adultério, na qual se sustentava que a honra do agressor havia sido supostamente ferida.
O relator, ministro Dias Toffoli, votou contra a ideia na sessão desta quinta-feira (29). O julgamento foi retomado nesta sexta, com os votos de André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, que acompanharam o relator para tornar a tese inconstitucional.
O julgamento foi suspenso e deve ser retomado em agosto, após o recesso. As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber ainda vão votar.
A ação que discute o tema foi apresentada pelo PDT, em janeiro de 2021. A sigla argumentou que não são compatíveis com a Constituição absolvições de réus pelo júri baseadas na tese da “legítima defesa da honra”, classificada como “nefasta, horrenda e anacrônica”.
Em 2021, em julgamento virtual, a Corte já havia decidido suspender, até o julgamento do mérito da ação, o uso da tese pelos advogados de réus em júri popular (relembre no vídeo abaixo).
STF proíbe por unanimidade uso do argumento da legítima defesa da honra por réus de feminicídio
Nesta semana, os ministros analisaram o mérito do pedido, confirmando a inconstitucionalidade da tese.
Votos
Em seu voto, Toffoli argumentou que a ideia remonta a “uma concepção rigidamente hierarquizada da família na qual a mulher ocupa posição subalterna e tem restringida sua dignidade e sua autodeterminação”.
“Segundo essa percepção, o comportamento da mulher, especialmente no que se refere à sua conduta sexual, seria uma extensão da reputação do ‘chefe de família’, que, sentindo-se desonrado, agiria para corrigir ou cessar o motivo da desonra. Trata-se, assim, de uma percepção instrumental e desumanizadora do indivíduo”, disse o relator.
Nunes Marques disse que é “chegada a hora dos nossos tribunais varrerem para o campo tétrico e proscrito a legítima defesa da honra, contra os crimes cometidos contra as mulheres por ciúme e objetificação do ser humano”.
O ministro Alexandre de Moraes citou estatísticas de violência contra a mulher e destacou o papel do Poder Judiciário em avançar sobre o tema para frear a aplicação da tese.
“É importante que o Poder Judiciário haja avanço institucional numa sociedade impregnada de preconceitos e discriminação de gênero, uma sociedade impregnada de machismo estrutural, é importante que o STF dê um recado direto, muito expresso de que não deve e não será mais admitido que alguém possa ser absolvido pelo tribunal do júri de um feminicídio alegando a legítima defesa da honra”.
Tribunal do júri
O tribunal do júri, previsto na Constituição, julga crimes dolosos contra a vida — como homicídio e feminicídio.
Além de estabelecer seu objetivo, a Constituição prevê que um dos princípios do julgamento popular é o da “plenitude de defesa”, mais abrangente que a ampla defesa dos outros processos criminais.
O mecanismo permite, na prática, que qualquer argumento que permita a absolvição do réu seja usado pela defesa neste sentido, mesmo que a tese envolva uma questão que vai além do direito.
Assim, é possível apelar para a clemência dos jurados, por exemplo. Nesta brecha, também passou a ser aplicada a tese da legítima defesa da honra.
A legítima defesa da honra não tem base jurídica e não se confunde com o mecanismo da legítima defesa do direito penal, que permite a um cidadão rebater uma agressão injusta de uma outra pessoa, por meios moderados, na intensidade suficiente para cessar o perigo.