TSE cassaria o mandato do capitão das trevas se ele tivesse vencido a eleição contra Lula?
(Vinicius Torres Freire, na Folha, em 01/07/2023)
A condenação de Jair Bolsonaro animou o comentarismo político. O fato de o capitão das trevas estar impedido de se eleger até 2030 inspirou elogios ao compromisso da Justiça com a democracia, especulações sobre os herdeiros políticos do tiranete e a ideia de que o “centro” terá lugar ao sol nas próximas eleições.
Será?
Caso Bolsonaro tivesse sido reeleito, o TSE teria cassado o mandato dele? Ou foi a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva que criou as condições para que a Justiça se sentisse confortável para condenar Bolsonaro por bandalha eleitoral, apenas um item de sua longa ficha de crimes & contravenções? Ao que parece, a Justiça continua a funcionar como moderadora da política, se não interventora, como o tem feito há década e meia.
Em 2017, o TSE, com outra composição, absolveu a chapa Dilma-Temer por “excesso de provas”, como dizia sarcasticamente o comentarismo político de então, majoritariamente anti-Dilma e, em grau menor, anti-Temer. O que o TSE fez foi, na prática, absolver Michel Temer, que se tornara presidente com a deposição da petista.
Desde que se tornou um problema federal, em 2018, Bolsonaro acumula na Justiça uma longa lista de processos graves, emperrados alguns por meneios políticos ou por chicanas. Até agora, os inquéritos contra os Bolsonaro serviram como um estoque de munição para que o Supremo pudesse tourear o candidato a ditador, função delegada tacitamente a Alexandre de Moraes.
O ministro de fato conteve o tiranete e sua camarilha, com habilidade, energia e coragem. Mas é isso que chamamos de regime de Poderes independentes e democracia?
Jamais se tomou atitude decisiva contra Bolsonaro, sua camarilha militar, contra os financiadores do golpe etc. Os processos ainda são armas de dissuasão em massa, por assim dizer. Bolsonaro, suas ordenanças, comparsas e sequazes serão um dia julgados? Ou a inelegibilidade via TSE foi o bastante para acomodar o sistema político, mais um arranjo de nossas tantas transições transadas pelo alto?
Os tribunais superiores deram um jeitinho de manter Temer na cadeira. Foram coniventes com abusos e conspirações da Lava Jato. Impediram Lula de ser ministro de Dilma Rousseff. Soltaram Lula. Toleram desafios de parlamentares condenados. Qual o critério?
Ainda mais estimulado pela abstinência do Congresso, o STF legisla. Legislou sobre fidelidade partidária, o que incentivou a multiplicação de partidos. Legislou sobre financiamento de campanha, o que ajudou a renovar o feudalismo político. Caciques controlam fundos partidários e eleitorais enormes, além de emendas, recursos públicos com os quais preservam ou ampliam currais e diminuem a competição eleitoral; avançam sobre prerrogativas do Executivo, sem ter as mesmas responsabilidades.
A Justiça facilitou a difusão do centrão, essa camada de geleia cinzenta que recobre a política do país quase inteiro, uma papa de conservadorismo, negocismo e elites locais ignaras que domina ainda mais as prefeituras e a Câmara. Mas essa é história para uma próxima coluna, assim como o futuro do “centro”.
Em resumo, ainda está para se ver se a Justiça vai demonstrar um compromisso de fundo com a democracia, o que exige o julgamento Bolsonaro, o fim das intervenções tópicas na disputa política e de avanços na função legislativa; que exige a renúncia a esse papel de poder amortecedor e moderador, em geral a favor das correntes dominantes do momento.