Atender os evangélicos não é beneficiar financeiramente lideranças religiosas, com novas isenções fiscais. É governar responsavelmente, respeitando os valores de cada um
(Opinião, do Estadão, em 09/07/2023)
Para melhorar a relação com os evangélicos, o Palácio do Planalto estuda a possibilidade de apoiar projetos de lei que ampliam benefícios e isenções fiscais às igrejas. É realmente desolador. O PT não faz nenhum esforço para compreender as reais aspirações dessa parcela da população. No entanto, querendo obter com ela rendimentos político-eleitorais, o governo Lula se movimenta para atender a interesses pouco republicanos de lideranças religiosas.
Antes de mais nada, é preciso fazer uma distinção. As isenções fiscais que a bancada evangélica almeja – seja qual for o governo, ela sempre está em busca de um benefício monetário a mais – não atendem aos interesses dos fiéis dessas igrejas. Elas atendem apenas e exclusivamente aos bolsos dos líderes e administradores dessas igrejas.
Na proteção do exercício efetivo da liberdade religiosa, a Constituição de 1988 proíbe que a União, os Estados e os municípios instituam “impostos sobre templos de qualquer culto” (art. 150, inciso VI, alínea b). Trata-se de medida adequada, que assegura o funcionamento das igrejas e, em último termo, a liberdade de culto. Nenhum templo será fechado por não pagar imposto, porque o Estado, em suas diversas esferas, não pode cobrar impostos das igrejas. Este é o interesse dos fiéis: que possam livremente praticar sua fé.
No entanto, há uma parcela de lideranças religiosas que quer mais do que o livre exercício da fé. Almeja mais isenções fiscais; em outras palavras, melhores condições financeiras para suas atividades. Exemplo disso ocorreu no governo Bolsonaro, quando o Congresso estendeu a imunidade tributária prevista na Constituição à cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). É esquisito que entidades “religiosas” façam distribuição de lucro. Na ocasião, dissemos que tal prática “deveria levar a um questionamento se essas entidades fazem jus à imunidade tributária prevista na Constituição” (O escândalo dos vetos, 19/3/2021). No entanto, não apenas fizeram a distribuição, como conseguiram não mais pagar CSLL sobre esses valores.
Agora, na busca por condições mais benéficas para as igrejas, a bancada evangélica deseja isentar de imposto toda compra de bem ou serviço feita por um CNPJ de igreja. A rigor, pretende-se criar um feudo de imunidade: tudo o que supostamente se relacionar com uma entidade religiosa estaria imune de tributos. Ou seja, mais do que uma igreja, essas lideranças querem ter um negócio altamente lucrativo. Outra frente de pressão da bancada evangélica é a liberação da tributação da folha de pagamento dos empregados das igrejas.
Um governo responsável com o interesse público, que deseja prover condições para políticas públicas efetivas, tem o dever de resistir a pressões não republicanas da bancada evangélica. Foi justamente cedendo a esse tipo de demanda que se construiu no País, ao longo dos anos, um sistema tributário disfuncional, complexo e injusto. Se o presidente Lula deseja aproximar-se da população evangélica, mais do que facilitar que pastores e líderes religiosos tenham negócios altamente lucrativos, é preciso atender aos reais interesses dessa parcela da população. Como todos os brasileiros, querem inflação baixa, emprego, atendimento médico adequado, escola de qualidade, segurança na sua rua, transporte público pontual, saneamento básico e tantos outros serviços que não se relacionam com ser de esquerda, de direita ou de centro.
Atender aos interesses reais das pessoas de fé não é, portanto, beneficiar financeiramente lideranças religiosas. É governar responsavelmente. Em vez de se tornar refém dessas lideranças que distribuem lucros e querem transformar o CNPJ de suas entidades num passe de mágica para o não pagamento de tributos, Lula e o PT têm a obrigação de respeitar a população evangélica, a começar por não desautorizar sua compreensão de mundo, majoritariamente conservadora, que valoriza a família tradicional. O pluralismo democrático exige respeito efetivo aos valores de cada cidadão.