Três em cada quatro brasileiros dependem única e exclusivamente da Saúde Pública, caso necessitem de cuidados em saúde, sejam estes, preventivos, diagnósticos, terapêuticos ou de reabilitação. E há a garantia de um forte arcabouço constitucional para prover atenção integral a todas essas necessidades em saúde do povo brasileiro. Está na Carta Magna de 1988, a denominada Constituição Cidadã, no seu artigo 196, quando se lê: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Já o Sistema Único de Saúde – o SUS, o único porto seguro de mais de 150 milhões de brasileiros, encontra sua fundamentação legal a partir de três importantes documentos: a própria Constituição Federal de 1988, na qual a saúde, a previdência e a assistência social estruturam a seguridade social; a lei 8.080 de 1990, a denominada Lei Orgânica da Saúde, que dispõe sobre a organização, a regulação das ações e dos serviços de saúde no país e a Lei 8.142, de 1990, que define a participação popular no SUS e dispõe sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na esfera da saúde. Dentre os princípios doutrinários do SUS assinalam-se as suas diretrizes de universalidade, integralidade e equidade.No entanto, em que pese todo esse aparato legal da saúde no Brasil, o SUS agoniza…! O SUS pede socorro…! Observa-se, lamentavelmente, um subfinanciamento (definido a partir do percentual do gasto público em saúde relacionado ao produto interno bruto (PIB) e do gasto per capita – ambos comparados a países com sistema universal de saúde) e um desfinanciamento progressivos da saúde em nosso país, agravados, a partir de 2016, pelo conjunto de regras fiscais e do teto de gastos definidos pela Emenda Constitucional n.º 95, quando congelou por 20 anos os gastos sociais no Brasil. Só com a EC 95 a saúde pública no Brasil já perdeu cerca de R$ 37 bilhões até o ano de 2022. Em outra vertente, com a EC 109/2021, na qual se observa a desvinculação de recursos da saúde para pagamento da dívida pública, as perdas do SUS foram acrescidas em mais R$ 11 bilhões, fechando, portanto, em torno de R$ 48 bilhões a menos o financiamento da saúde pública no Brasil. Segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), a seguridade social, entre os anos de 1995 e 2015, perdeu cerca de R$ 768 bilhões por conta da Desvinculação das Receitas da União (DRU), uma das principais fontes geradoras do superavit primário (principal objetivo: pagamento do serviço da dívida). Some-se a todo esse cenário caótico acima, as mudanças no perfil de morbimortalidade das enfermidades do povo brasileiro, com um aumento das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT) e, em outra vertente, o envelhecimento progressivo da população, patente no último censo demográfico brasileiro de 2023, agravados, mais ainda, pelos efeitos a longo prazo decorrentes da pandemia pelo SARS-CoV-2, a COVID-19.Os gastos com saúde, em todo mundo, dependem de vários fatores, mas estima-se que seja em torno de 10 trilhões de dólares atualmente, cerca de 8,2% do PIB mundial, projetando-se um crescimento da ordem de 2,5 vezes por volta do ano de 2040. No Brasil, o gasto total com saúde em relação ao PIB, entre os anos de 1990 e 2018, saiu de 6.7% para 9,5% do PIB. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), esse percentual é semelhante àquele de países com acesso universal à saúde, como Canadá (10,8%), Reino Unido (10,2%), Portugal (9,5%) e Espanha (9,1%), e acima da média da Europa (8,6%). Entretanto, nestes, o gasto público com saúde equivale a cerca de 70% a 80% do gasto total, ao passo que, no Brasil, corresponde a cerca de 3,9%, ou seja, menos da metade do gasto global, portanto. As despesas totais com saúde em nosso país são, em sua maioria, com recursos de origem privada (5,8% do PIB: despesas de famílias e instituições sem fins de lucro a serviços das famílias) realmente um contrassenso para um país com sistema universal em saúde. Estamos gastando cada vez menos, e gastando mal. Há desperdícios. Há corrupção. Há desvios. Há desfinanciamento! Há subfinanciamento! E a população sofre!
Durante a pandemia, no combate à COVID, o SUS demonstrou, mais uma vez e inequivocamente, toda a sua pujança e importância estratégica para saúde pública em nosso país. Urge, portanto, um sólido Pacto Federativo pela Saúde no Brasil! Que seja construído um amplo e profundo debate nacional, sobre o fortalecimento e a sustentabilidade do SUS, que passa, obrigatoriamente, por revisão do seu financiamento, da sua governança e do seu processo de gestão, com a participação democrática da sociedade, das entidades de classe de todo ecossistema da saúde, do congresso nacional e do governo federal, na construção de soluções para os seus enormes desafios, buscando sempre atender aos seus princípios basilares, doutrinários, de universalidade, integralidade e equidade.
Gláucio Nóbrega de Souza é paraibano, médico formado há mais de 30 anos pela UFPE, CRM 4299-PB, mestre em Medicina, Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba, especialista em Gastroenterologia, Clínica Médica e Endoscopia Digestiva, além de possuir especialização em inteligência artificial. É também especializando em Gestão e Economia em Saúde pela Faculdade de Saúde Pública da USP.
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