O governo federal comunicou aos secretários estaduais de Educação, no dia 10 passado, o encerramento do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim). Criado em 2019 por um decreto do presidente Jair Bolsonaro, o programa encaixava-se com perfeição no ideário bolsonarista. Tratadas como sinônimo de balbúrdia e antro de “esquerdistas”, as escolas públicas precisariam de ordem e de disciplina e, sob a ótica do saudosismo da ditadura, ninguém melhor do que os militares para levar a cabo essa missão. O programa fomentava a implantação de um modelo cívico-militar, no qual a gestão das escolas públicas ficaria a cargo de militares.
São muitos os erros contidos na proposta de militarização do ensino, a começar pela ideia de que o problema das escolas públicas seria político-ideológico. Na verdade, mais do que um diagnóstico sério sobre a educação brasileira, isso é parte do discurso eleitoral de Jair Bolsonaro. Nesse sentido, o Pecim tem uma deficiência estrutural em seu objetivo. Em vez de atender a razões pedagógicas, ele busca instrumentalizar as escolas para fins eleitorais.
A segunda grande deficiência do Pecim era a notória incompatibilidade entre os meios e os fins propostos. O programa vinha implantar, até o fim de 2022, 216 escolas administradas por militares – um número ínfimo em relação ao universo de mais de 178 mil escolas públicas no Brasil. Ou seja, o programa, por seu próprio desenho, era incapaz de promover, como oficialmente proposto, “a educação básica de qualidade aos alunos das escolas públicas regulares”. Seu pequeno alcance permitia apenas, eis a dura realidade, criar alguns nichos dentro do sistema.
Constata-se aqui mais do que simples problema de proporção entre meios e fins, o que já seria grave. Havia uma compreensão equivocada de política pública, na qual o foco não são todos os cidadãos ou os mais necessitados, mas apenas os mais alinhados ideologicamente ao governo.
O grande problema do Pecim está, no entanto, na própria ideia de que a militarização das escolas seria um caminho de aperfeiçoamento do ensino público. A missão institucional das Forças Armadas não é prover educação aos jovens, e sim defender a Pátria. O mesmo se aplica às Polícias Militares: não é seu papel cuidar de escola.
Existem colégios militares, alguns de reconhecida excelência acadêmica, criados fundamentalmente para atender as famílias dos membros das Forças Armadas. Mas a educação pública deve ser civil, sob administração civil e orientação pedagógica também civil. É equivocado achar que os problemas da sociedade e do Estado devem ser resolvidos pelos militares. É responsabilidade do poder civil – e, portanto, da própria sociedade civil, que elege seus representantes políticos – assegurar educação de qualidade a todas as crianças e jovens.
Por todos esses motivos, fez bem o governo federal em extinguir o Pecim, dando início a um processo de transição, que inclui, além da desmobilização de pessoal das Forças Armadas dedicado aos colégios, medidas para permitir o normal encerramento do ano letivo nessas escolas, sem que os alunos sejam prejudicados.
Tão logo houve o anúncio do fim do Pecim, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, prometeu editar um decreto para “regular o seu próprio programa de escolas cívico-militares e ampliar unidades de ensino com este formato”. É compreensível que, valendo-se do princípio federativo, Tarcísio de Freitas queira aproveitar a ocasião para agradar à parte de sua base eleitoral. Cada Estado tem autonomia para desenvolver suas próprias políticas educacionais.
No entanto, as ressalvas do Pecim valem também para os programas estaduais. A militarização de escolas não é resposta suficiente nem adequada para a melhoria da educação. Educar bem não é criar nichos de segurança à base de disciplina militar. O caminho da excelência educativa é outro, já que a meta não é formar soldados, e sim cidadãos autônomos e responsáveis. A educação na liberdade não é uma opção, mas condição de toda verdadeira educação.