Numa coisa Lira tem razão: o País, de fato, precisa discutir regras capazes de trazer mais eficiência à despesa da União com funcionalismo e aprimorar a gestão pública. O Brasil gasta hoje 12% do Produto Interno Bruto (PIB) com servidores, um dos maiores índices do mundo considerando países desenvolvidos e emergentes, mas isso está longe de se traduzir em maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Reconhecer essa realidade, no entanto, não quer dizer que a reforma administrativa esteja pronta para ser votada.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, a que Lira fez referência, foi aprovada por uma comissão especial da Câmara em 2021 e, em tese, já poderia ser submetida ao plenário. Isso, no entanto, nunca chegou a ocorrer. Embora a proposta tenha sido enviada pelo governo de Jair Bolsonaro ao Legislativo em setembro de 2020, o próprio presidente, na ocasião, trabalhou contra seu avanço – não por convicção de que ela fosse ruim, como ela realmente era, mas por receio de que isso atrapalhasse suas pretensões eleitorais.
Se o texto da PEC 32/2020 nunca chegou a ser incluído na pauta do plenário da Câmara a pedido do próprio governo que o elaborou, não há razões para acreditar que isso ocorrerá no mandato de Lula. É bom que seja assim. Ainda na comissão especial, o parecer foi modificado cinco vezes para que pudesse ser aprovado – e em cada uma delas ele foi significativamente desidratado.
Com o avanço da malfadada PEC, as carreiras exclusivas do Estado seriam ampliadas, categorias vinculadas à segurança pública teriam direito a novos privilégios e controles contra supersalários seriam levantados. Para completar, a reforma valeria apenas para os futuros servidores e não resvalava na cúpula do Judiciário e do Ministério Público, que detêm os maiores penduricalhos. Como alertamos neste espaço na ocasião, era nada mais que um monstrengo que merecia ter o arquivo como destino.
Reconhecer a necessidade de uma reforma administrativa tampouco justifica a destruição da estrutura do Estado, como tentou Bolsonaro ao desmontar órgãos ligados à defesa do meio ambiente e dos povos indígenas. Não fosse a resistência da burocracia pública, os retrocessos teriam sido ainda maiores. Nesse sentido, o fato de o governo Lula ter autorizado a realização de concursos públicos para diversas instituições, principalmente para agências reguladoras que estavam à beira da paralisia, deve ser celebrado.
Uma verdadeira reforma administrativa deve ser discutida à luz dos objetivos e funções do Estado que o País quer ser. Já há consenso sobre algumas premissas que devem pautar esse debate. É preciso regulamentar a avaliação de desempenho dos funcionários públicos, premiando os que mais se destacam e demitindo os que não estão à altura de suas funções. É preciso reduzir o salário inicial das funções, valorizando os servidores que veem na carreira pública uma vocação e um projeto de longo prazo.
É preciso desengessar as carreiras e garantir remanejamentos que permitam aos funcionários assumir funções em que sua presença é mais demandada. É preciso abandonar mitos que só contribuem para travar o debate sobre o tema, como a ideia de que o funcionário público padrão não passa de um aproveitador. É preciso não perder de vista o aumento da oferta e da qualidade dos serviços prestados à população.
Nada disso está contemplado na PEC 32/2020, uma mera reforma de recursos humanos. Esse debate precisa ser retomado, e não interrompido. Este jornal é favorável a um Estado enxuto e eficiente, que esteja a serviço da sociedade, o que não significa nem um Estado mínimo nem um Estado inchado e aparelhado.
Comentário nosso
Um dos detalhes que não podem ser esquecidos numa reforma administrativa que se preze é a questão da avaliação criteriosa e sem apadrinhamento do desempenho dos servidores públicos, premiando os que se destacarem e demitindo os que não estão à altura de suas funções. Para isso tem que quebrar a estabilidade dos cargos meramente administrativos, preservando apenas nos casos de funções típicas de Estado, onde a estabilidade é uma garantia indispensável e mesmo assim preservando a possibilidade de demissão quando houver quebra grave das obrigações nelas inerentes. (LGLM)