Lula quer um Supremo para chamar de seu (seguido de comentário nosso)

By | 01/09/2023 11:53 am

Pretensão de Lula de colocar no STF alguém com quem possa ‘trocar ideias’ é ceder a um aspecto central do bolsonarismo: o exercício do poder configurado pelas relações de amizade

(Opinião do Estadão, em 01/09/2023)

Depois de indicar seu advogado para o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Lula pretende preencher a vaga a ser deixada pela ministra Rosa Weber, no final de setembro, indicando alguém com quem tenha a liberdade para “trocar ideias” quando precisar, apurou o Estadão. Ora, isso é repetir o mesmo erro de Jair Bolsonaro, que admitia explicitamente que o nome indicado precisava “tomar tubaína” com ele e “ter essa afinidade comigo”. “Eu não vou indicar um cara só pelo currículo”, disse Jair Bolsonaro por ocasião da indicação do ministro Kassio Nunes.

A Constituição confere ao presidente da República a prerrogativa de indicar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de arranjo institucional importante, dentro do sistema de freios e contrapesos. No Estado Democrático de Direito, cada um dos Três Poderes é independente, mas nenhum é absoluto.

O processo de preenchimento das vagas do STF é parte desse equilíbrio entre os Poderes. O presidente da República indica e o Congresso, por meio do Senado, avalia. A Constituição explicita que essas prerrogativas não são espaço de mero arbítrio. Há requisitos importantes a serem seguidos: notável saber jurídico e reputação ilibada.

Não são condições abstratas ou de difícil aferição. Ao falar em notável saber jurídico, a Constituição exige que o conhecimento técnico do indicado seja facilmente percebido por todos. Se há alguma dúvida a respeito do saber jurídico do indicado, o requisito não está preenchido. No caso da reputação ilibada, o texto constitucional apenas afirma que os integrantes da Corte devem ter um nome límpido, intacto, sem mancha, sem sombra, sem nenhuma suspeita.

Na história de “tomar tubaína” ou na de poder “trocar ideias”, há uma peculiaridade. É o próprio presidente da República que lança suspeitas sobre os nomes de seus escolhidos. Dá a entender que o indicado deve estar aberto a uma “afinidade” que vai além das relações institucionais: alguém sobre o qual se conseguiria ter algum controle ou alguma influência quando estiver depois no Supremo.

Ora, o que se espera de um ministro do STF é o exato oposto de uma dinâmica de dependência com quem o indicou. Os integrantes da Corte devem ter a capacidade técnica e a estatura moral – por isso, os requisitos de notável saber jurídico e de reputação ilibada – para que sua atuação como magistrado seja rigorosamente independente. Só assim o Supremo poderá exercer a contento sua função de defesa da Constituição, que leva muitas vezes a contrariar o governante de plantão e algumas vezes a contrariar a própria opinião majoritária da população.

Lula e Bolsonaro manifestam, portanto, uma incompreensão não apenas sobre a prerrogativa presidencial de indicar nomes para o STF, mas sobre a própria Corte constitucional. Ao tentarem submeter o Supremo à sua interferência política, eles enfraquecem a autoridade do STF perante a população.

Nem se diga que, ao atuar assim, o presidente da República estaria apenas promovendo suas causas e seu ideário político. Isso deve ser feito junto ao Congresso. Quando se atua assim perante o Judiciário – ignorando sua natureza, sua função e seu âmbito específico de competência –, o Executivo interfere no bom funcionamento do Estado Democrático de Direito. Como um todo, o poder estatal torna-se menos apto a servir a população.

A politização das indicações para o STF contribui para a percepção de desconfiança da população em relação à Corte constitucional, especialmente no quesito imparcialidade. E as eventuais relações de compadrio e de dependência entre o presidente da República e seus indicados são um capítulo especialmente preocupante desse fenômeno.

A tolerância com indicações à base de tubaína, como se fosse algo normal, significaria pactuar com um aspecto central do bolsonarismo: o exercício do poder configurado pelas relações de amizade. O eleitor rejeitou esse modo de atuar. Não há por que Lula dar agora essa vitória a Bolsonaro, perpetuando uma deformação tão contrária aos ideais da República.

Comentário nosso

Parece que Lula está com inveja de Bolsonaro. Os dois ministros indicados por Bolsonaro têm correspondido à expectativa do ex-presidente mantendo uma linha de defesa dos seus interesses no votos que vêm dando. Enquanto isso, alguns dos ministros indicados por Lula nos outros mandatos chegaram até a tomar decisões que prejudicavam o atual presidente. O próprio Zanin, o primeiro indicado por Lula no atual mandato já andou proferindo votos que contrariam os interesses petistas. Aliás este é um risco que correm todos os presidentes, por cuidado que tenham nas suas indicações que as fazer visando seus próprios interesses. O cargo de Ministro de Tribunais é praticamente vitalicio, pois podem exercê-l0 até os 75 anos de idade e são aposentados com o salário integral que vão receber até morrer. Nenhum presidente dentro dos ditames democráticos pode infringir as garantais constitucionais dadas aos juízes e ministros de tribunais: vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos e inamovibilidade. Uma vez empossados, ninguém pode mexer com eles.  Este é o risco que correm governadores e presidentes ao indicarem desembargadores e ministros de tribunais. Que elesk, mais adiante, contrariem os seus interesses. (LGLM)

Comentário

Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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