Não bastasse a subversão do que vem a ser patriotismo, problemática por si só, a Lei Municipal 15.530/2023 também afrontava os princípios democráticos que iluminaram a redação da Constituição de 1988. Fizeram bem, portanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia-Geral da União (AGU) em recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a vigência do ato legislativo. Em decisão liminar, o ministro Luiz Fux acolheu o pedido da PGR. No mesmo dia, os vereadores porto-alegrenses revogaram a lei que eles mesmos haviam criado.
Na exposição de motivos, o autor do projeto da lei, o vereador Alexandre Bobadra (PL), que depois foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) por abuso de poder econômico, havia formulado a seguinte pergunta: “Por que, no Brasil, quem se considera patriota torna-se motivo de chacota?”. Pelo que se vê, ele enxergava na lei uma espécie de desagravo ao patriotismo e aos “patriotas”.
De fato, o conceito de patriotismo no Brasil precisa ser resgatado. Mas não se recupera seu bom nome homenageando justamente quem o vilipendiou. No 8 de Janeiro, houve agressão à Pátria.
Patriotismo implica respeito à Constituição e às leis do País. Esse respeito é o reconhecimento comum de que a vida em sociedade só é possível sob a vigência de regras pactuadas por todos os cidadãos por meio de seus representantes constituídos. Depredação do patrimônio público, emprego da violência para contestar as eleições, ataques às instituições democráticas, ameaças às autoridades e aos concidadãos, vandalismo – nada disso é patriótico.
Amar o Brasil não significa aceitar passivamente tudo o que acontece no País. Não há dúvida de que a indignação é também exercício de cidadania e de patriotismo. Mas a questão é como essa indignação se expressa. Não cabe violência. Não cabe rejeitar o resultado das urnas. Não cabe agredir quem pensa de forma diferente.
A liberdade de expressão não significa que toda expressão é correta ou está autorizada. É preciso respeitar as leis. Acima de tudo, é preciso respeitar o outro, seus direitos, suas liberdades. O pleito por uma intervenção militar viola tudo isso, agredindo um valor fundamental da Pátria: o princípio democrático.
É tempo de resgatar e de celebrar o genuíno patriotismo, não a avacalhação da Pátria, não a exploração eleitoreira dos sentimentos e símbolos nacionais. Há muitos patriotas no Brasil, mas o elemento que os une não é um partido político, não é a transformação de um político em mito, não é a baderna como luta política. Eles não depositam suas esperanças de um País melhor na intervenção de terceiros, seja na forma de um tenentismo ou de um sebastianismo. Sabem-se responsáveis pelo presente e pelo futuro do País e buscam exercer, de forma responsável e autônoma, sua cidadania.
Cabe aqui recorrer a umas palavras de Joaquim Nabuco (1849-1910), que tanto refletiu sobre a ideia de nação brasileira e o sentimento de patriotismo. No livro O Abolicionismo (1883), Nabuco diz que o verdadeiro patriotismo é aquele que “concilia a pátria com humanidade”. A violência, a agressão e o deboche contra o outro são incompatíveis com o patriotismo.
Que o triste exemplo da lei de Porto Alegre – devidamente revogada – sirva de alerta. A manipulação político-eleitoral em torno do conceito de patriotismo gerou uma enorme confusão, cujos efeitos ainda são sentidos em diversas áreas. Há um resgate civilizatório, humano e institucional, a ser feito. E ele não é obra exclusiva de uma corrente política ou de um órgão público. É tarefa de todos, pois o País é de todos.