O 7 de Setembro deste ano é particularmente oportuno para essa reflexão. A sociedade tem o dever de resgatar o espírito cívico que sempre marcou a data; data esta que, nos últimos quatro anos, sofreu diversas tentativas de sequestro político por parte de Jair Bolsonaro. O ex-presidente não só deturpou o sentido do Dia da Independência, como tentou manipular o sentimento patriótico de milhões de brasileiros, com o objetivo de dar vazão a suas pretensões políticas pessoais.
Além de ter usado o feriado nacional para expor seu vezo golpista, Jair Bolsonaro amesquinhou a posição de chefe de Estado ao fazer proselitismo eleitoral em data cívica. Um dos processos que tramitam contra o ex-presidente no Tribunal Superior Eleitoral trata justamente de indícios de abuso de poder político e econômico, em razão de manipulação eleitoreira do feriado da Independência.
A desvirtuação do 7 de Setembro operada por Jair Bolsonaro teve um aspecto especialmente grave. Ela veio acompanhada de uma campanha de desinformação a respeito do papel das Forças Armadas no Estado Democrático de Direito. Mais de uma vez, Jair Bolsonaro usou o Dia da Independência para tentar subverter a natureza e a função do poder militar, que, no conto bolsonarista, seria uma espécie de contraponto ao poder civil, o tal “poder moderador”.
Felizmente, as Forças Armadas, enquanto instituições de Estado, mantiveram-se fiéis à Constituição, não sucumbindo a tão absurdo sofisma. No ano passado, por exemplo, diante do risco de manipulação do feriado cívico para fins eleitorais, o comandante militar do Leste cancelou a tradicional parada militar de 7 de Setembro, na Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro.
A data não deve ser usada para fins político-eleitorais, muito menos para objetivos golpistas. Agora, superadas essas tentações trevosas, é tempo de reconstruir o espírito cívico, o que inclui reafirmar uma compreensão republicana e constitucional das Forças Armadas. Elas estão submetidas ao poder civil e devem estar distantes da política. Como disse, no início do ano, o comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva: “Se um militar quer ser político, que mude de profissão”.
Nesse sentido, são oportunas as atuais tratativas do Executivo e do Legislativo para a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) restringindo a participação de militares em processos eleitorais. De acordo com a proposta, caso um militar pretenda concorrer a um cargo político eletivo, ele precisará deixar antes a carreira militar, entrando para a reserva.
Mais do que atiçar o passado recente – as instituições competentes, em suas várias esferas, já investigam os indícios de crimes no período –, agora é tempo de reconstruir o País. Um meio para essa tarefa é o resgate do espírito cívico. A identidade nacional não é dada por um determinado grupo partidário. É antes um patrimônio imaterial de todos os brasileiros, com independência de suas cores e preferências ideológicas. Afinal, as liberdades políticas não são mero discurso, e o pluralismo de ideias é um valor constitucional.
O 7 de Setembro é uma data de todos os brasileiros. Como dissemos a propósito da diretriz do governo Lula da Silva de “despolitizar” a celebração, “honrar a Independência é direito de todo o cidadão, assim como o de celebrar a festa nacional conforme seu sentido mais profundo: o de invenção do que se chama comumente de brasilidade” (ver editorial A volta do espírito cívico, de 23/8/2023).
Sem negar os muitos desafios pela frente, é tempo de celebrar o País e o regime democrático.