Oito meses se passaram desde o episódio. Não cabe leniência, seja com quem orquestrou tão grave atentado à democracia, seja com quem foi omisso. É preciso concluir as investigações
Na arena política, a oposição bolsonarista acusa o governo de facilitar o ingresso dos vândalos. O governo, por sua vez, acusa lideranças bolsonaristas de arquitetar a agressão para viabilizar um golpe de Estado. A primeira tese é implausível na mesma proporção em que a segunda é plausível. A CPMI do 8 de Janeiro – com conclusão prevista para 17 de outubro – fez pouco para alterar essas posições. Resta, contudo, o fato de que houve uma negligência monumental das forças de segurança. É preciso investigar e atribuir as devidas responsabilidades.
Muito trabalho foi feito até aqui. A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou mais de 1.300 pessoas envolvidas nos atos do 8 de Janeiro, por tipos penais que vão desde a incitação ao crime e deterioração do patrimônio tombado até associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Até o momento, o Supremo Tribunal Federal (STF) já aceitou quase todas essas denúncias, dando início ao processo penal contra essas pessoas.
O volume dos processos, sua complexidade e as tensões políticas a que estão submetidos criam um desafio inaudito para a Justiça, que deve ser especialmente cuidadosa. Não cabe ao Estado ser vingativo com ninguém. Seu dever é promover um julgamento justo e imparcial, de acordo com o que dispõe a lei.
A experiência da Lava Jato traz importantes luzes. O STF, que tanto fez para retificar abusos ao devido processo legal cometidos durante a operação em nome do combate à corrupção, deve ser cuidadoso para não incorrer ele mesmo em arbitrariedades similares, agora em nome da defesa da democracia.
Muito foi feito, mas ainda há muito a fazer nas investigações do 8 de Janeiro. Não basta denunciar quem estava na Praça dos Três Poderes e invadiu os prédios públicos. É imprescindível identificar a dinâmica da intentona golpista e seus articuladores e financiadores, ou seja, os grandes responsáveis.
Aqui, uma vez mais, o exemplo da Lava Jato pode ser útil. Não basta fazer um PowerPoint apontando setas para as lideranças bolsonaristas. É necessário apurar os fatos e colher as provas. Trata-se de um trabalho investigativo cujo objetivo é permitir depois, se for o caso, a instauração do processo criminal. A investigação não é nem pode se converter em uma atividade política. Diante de tão grave atentado à democracia, o País não pode ser ludibriado de novo.
Além de investigar e punir os principais responsáveis pelos atos golpistas do 8 de Janeiro – não se tem notícia até o momento de nenhuma denúncia contra gente graúda –, é preciso investigar e punir quem foi omisso na proteção da Praça dos Três Poderes. Resta evidente que as forças de segurança não atuaram como deveriam ter atuado. Quem foram os responsáveis por tão grave omissão? Foi simples descuido ou a tolerância com os golpistas foi intencional? O País tem o direito de conhecer a dinâmica e todas as circunstâncias dos atos antidemocráticos. E esse conhecimento não provém de declarações políticas, e sim de um trabalho bem feito das autoridades públicas, tanto no âmbito do inquérito policial como no do processo judicial.
A melhor resposta a atos golpistas – que atacam as instituições democráticas – é o bom funcionamento das instituições, com cada uma atuando de acordo com suas competências legais. O objetivo das investigações não é um fim político – por exemplo, acabar com o bolsonarismo –, e sim jurídico – punir todos os golpistas, bolsonaristas ou não, e todos os que descumpriram seus deveres de proteção do Estado Democrático de Direito no 8 de Janeiro. Sem impunidade e sem vingança, apenas a lei.