“É como dirigir uma Ferrari só em terceira marcha”, disse ao Estadão o sócio da consultoria KPMG Luiz Sávio em relação à falta de preparo para o aproveitamento de tecnologias de última geração, como a rede 5G de banda larga. Nos setores mais inovadores, como agroindústria, robótica, saúde e automotivo, muitas vezes há equipamentos de ponta subutilizados.
O hiato profissional está diretamente ligado a outro grave problema que demanda solução improtelável: a negligência em relação ao ensino técnico. A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), sua denominação oficial, é uma modalidade habitualmente relegada à condição de “segunda divisão” do ensino nacional, quando deveria ser prioridade em um país que busca protagonismo econômico e redução da desigualdade social.
Como já foi dito e reiterado neste espaço, é urgente a expansão do ensino técnico, cursado no País por apenas 10% dos alunos do ensino médio, enquanto a média nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, é de cerca de 40%.
Ampliar essa participação é crucial, especialmente num momento em que o mundo assiste a uma verdadeira revolução nas relações profissionais decorrente do processo de inovação tecnológica. A profusão de novas atividades produtivas segue em ritmo vertiginoso, enquanto outras profissões rumam para a obsolescência com velocidade assustadora no que se convencionou chamar de quarta revolução industrial, ou indústria 4.0.
A recente aprovação da lei que estabelece novas diretrizes para a política de Educação Profissional e Tecnológica, depois de quase cinco anos tramitando no Congresso, é um passo para a valorização dos cursos técnicos e profissionalizantes. Ao promover a integração com o ensino médio e o superior, com aproveitamento de créditos de áreas afins, a nova lei fortalece o ensino técnico.
A conexão da educação juvenil com o mundo real, com as alternativas profissionais do mercado e a qualificação tecnológica carrega, ao longo do tempo, potencial considerável de ascensão em diversas direções, desde a redução das estatísticas de evasão escolar até a elevação da qualificação e renda do trabalho. E o País precisa com urgência subir a qualidade desses indicadores.
Como mostrou pesquisa recente da OCDE com 37 países, 36% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos não têm ocupação formal. Somente a África do Sul registrou índice pior do que este na chamada “geração nem-nem”, que não estuda nem trabalha. Em um país onde a população jovem (pelos critérios do IBGE, pessoas entre 15 e 29 anos) representa, de acordo com o último Censo, 23% da população, ou 47 milhões, esta é uma realidade que precisa mudar.
Derrubar o preconceito contra o ensino técnico e incentivar e facilitar os canais de acesso aos cursos, com política pública específica, é dever do Estado e da sociedade. Ampliação das matrículas e campanhas de incentivo à participação nessa modalidade, adaptação da grade curricular à nova realidade profissional, articulação com atividades acadêmicas de pesquisa e inovação: são muitos os caminhos a serem percorridos.
É preciso retirar da educação profissional o estigma de formação menor que injustamente carrega há décadas. Como se ela estivesse destinada a jovens inaptos a uma graduação universitária. Pelo contrário. É a capacitação técnica que vem definindo o futuro dos jovens. A profissionalização não pode e não deve servir de impedimento para a continuidade da vida acadêmica.
A lei recém-sancionada fixou o período de dois anos para a elaboração e implementação da política nacional para o ensino técnico. É fundamental que o prazo seja de fato cumprido. O País já perdeu muito tempo.
Comentário nosso
Nossa cultura ainda não deixou de valorizar por demais o bacharelismo. Todo mundo quer ser doutor ou ter um filho doutor. E com isso muitos desvalorizam os cursos técnicos. Resultado: temos um país cheio de doutores, muitos deles desempregados, enquanto as funções técnicas, muitas vezes mais valorizadas do que os doutores, terminam ficam sem preenchimentos ou preenchidos por profissionais mal preparados. Não queremos com isso desmerecer os cursos superiores. O problema é que muitas profissões liberais estão congestionadas, com profissionais bombando. Lembramos quando se implantou em Patos o curso de Economia, que empolgou muita gente pois foi um dos primeiros implantados em Patos. Depois de alguns anos, os balcões de loja estavam cheios de economistas, porque o mercado de trabalho em Patos não tinha demanda suficiente para as dezenas de formados a cada ano. Uma profissão que está marchando para isso é a de enfermeiros. A maior demanda foi de prefeituras que agora, na sua maioria já completaram as suas vagas. E aí. Para onde vão as centenas de enfermeiros formados a cada ano. Hoje Patos tem duas escolas técnicas, uma federal e outra estadual, e a demanda por pessoas com formação técnica só faz aumentar. Não só aqui como nos grandes centros. Parece que o Ministério da Educação agora abriu os olhos para isso e vai estimular os cursos técnicos. A mesma coisa se diga dos cursos profissionalizantes oferecidos não só pela SENAC como pelo SENAI. A espressas que estão vido de fora, a cada dia mais valorizam o currículo dos candidatos a emprego, que tem um curso desses leva vantagem, sobre quem não tem nenhum preparo. Não basta nem sempre a experiência, muitas empresas estão atentas à formação profissional. (LGLM)