O País precisa enfrentar disfunções socioeconômicas e educacionais que levam à evasão das universidades
(Opinião do Estadão, em 11/09/2023)
Desde a década de 90, o Brasil investe fortemente na ampliação do acesso ao ensino superior, seja por meio de bolsas (ProUni) ou créditos (Fies) para universidades privadas, seja pela ampliação das universidades públicas e programas de cotas. Apesar disso, as universidades sofrem com a crescente evasão. Segundo o Instituto Semesp, 55% dos estudantes desistem do curso. É um desperdício de recursos para as universidades – como se uma fábrica descartasse metade do que produz – e de oportunidades para os jovens.
O fenômeno não é exclusivo do Brasil. Uma pesquisa publicada no Wall Street Journal revela que 56% dos norte-americanos não creem que o diploma compensa o tempo e o dinheiro despendidos. A desconfiança reflete as dificuldades de adaptação das universidades às transformações do mundo contemporâneo.
No Brasil há agravantes socioeconômicas e educacionais. Dificuldades financeiras e a necessidade de trabalhar estão entre as principais motivações para o abandono, além da indecisão profissional e baixo desempenho.
Um problema é a escolha profissional precoce. Enquanto na Europa e EUA as graduações são divididas em duas partes – primeiro uma formação mais ampla e diversificada, depois a especialização profissional –, no Brasil um estudante é obrigado a definir aos 17 anos a profissão de sua vida. Isso ajuda a explicar as altas taxas de abandono, mas também as de retorno. Levantamento publicado nos Cadernos de Pesquisa 50, aponta que 40% dos alunos que se desligam se matriculam em outras instituições nos dois anos seguintes.
Outro problema é a defasagem do ensino técnico. Menos de 10% dos alunos do ensino médio estão em cursos profissionalizantes, enquanto a média nos países da OCDE é de quase 40%. Muitos interessados na formação técnica buscam compensar a carência em cursos universitários, mas se frustram com cursos longos coalhados de exigências acadêmicas irrelevantes para a carreira. Justamente nas áreas de tecnologia, que estão entre as mais promissoras no mercado, as taxas de abandono são maiores.
A evasão nesses cursos também explicita deficiências da formação básica. Segundo o MEC, só 5% dos alunos terminam o ensino médio com desempenho adequado em matemática.
A evasão no setor privado (57%) é mais alta que no público (47%). Além das dificuldades financeiras, isso se explica em parte pela má qualidade de muitos cursos privados.
Um levantamento da USP traz novos dados. O abandono entre não cotistas é de 15%; entre os cotistas da rede pública, é de 18,6%; e, dentre estes, a evasão de negros e indígenas é de 23,9%.
O desafio exige estratégias complexas, que vão desde uma melhor formação e orientação vocacional no ensino médio à modernização dos currículos acadêmicos e programas de apoio financeiro e pedagógico. E há um problema preliminar: a carência de dados detalhando características e causas da evasão. Sem diagnósticos adequados, as prescrições terapêuticas continuarão operando no escuro, e o ensino superior continuará a ser, para muitos, uma fábrica de frustrações.
Comentário nosso
Realmente a qualidade das nossas escolas de nível superior tem sido motivo de muitas reclamações. Algumas delas são verdadeiras fábricas em série de doutores. Mas temos que levar em consideração também as más escolhas de muitos estudantes, que escolhem a escola, mais interessados na profissão que acham mais lucrativa e depois se arrependem, pois não gostam do ensino que lhe oferecem ou acham que é muito mais exigente do que pensavam. A questão tem que se atacada dos dois lados. Procurar oferecer escolas melhores, tanto no ensino público como no ensino privado, e, por outro lado, procurar orientar os estudantes na hora de escolher a carreira que querem adotar. Como sugere o Estadão, a escolha muitas vezes é feita por estudantes imaturos ou dirigidos pelos pais e parentes, sem que o aluno saiba o que quer realmente ser profissionalmente. Outra questão que deve ser abordada com seriedade é a importância do ensino técnico e profissionalizante. O Brasil ainda é o país onde ser bacharel em alguma coisa é o sonho de todo mundo. E muitos destes bacharéis são futuros profissionais frustrados ou desempregados. Há muito curso técnico que oferecem carreiras profissionais muito mais recompensadoras, tanto financeira, como pessoalmente. Há muito torneiro mecânico, mecânico de automóveis, eletricistas e torneiros na construção civil e a domicílio, ganhando mais do que muitos doutores. Os profissionais de curso técnico e profissionalizante não menos dignos do que os que passaram por faculdades. São doutores em sua profissão. (LGLM)