Delação de Cid pode fazer Bolsonaro ser expulso do Exército e deixar de ser capitão reformado

By | 12/09/2023 7:35 am

Trinta e cinco anos após se safar da declaração de indignidade para o oficialato, ex-presidente perderia até as medalhas; aposentadoria de capitão reformado passaria a ser paga à sua mulher, Michelle Bolsonaro

Foto do autor: Marcelo GodoyEstá ali nos artigos 99 e 100 do Código Penal Militar (CPM). Eles definem a perda do posto e da patente pelo militar que comete crimes. O primeiro diz que essa pena é aplicada a quem é condenado por qualquer delito a mais de 2 anos de prisão. O segundo afirma que a mesma punição deve ser imposta a todo aquele que for condenado por 13 tipos de crimes, não importando o tamanho da condenação.

E é aqui que a casa pode cair de vez para o ex-presidente Jair Bolsonaro depois da delação do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, seu ex-ajudante de ordens. Mesmo que receba a pena mínima em um dos delitos, seu destino estará traçado em razão do tipo de crime. Isso porque entre as condutas que fazem o militar condenado ser expulso automaticamente da Força Terrestre estão o peculato e a falsificação de documentos. Bolsonaro é investigado sob a suspeita de ter praticado ambas as condutas no caso das joias das Arábias e no da fraude das carteiras de vacinação.

Se for denunciado, Bolsonaro será o quarto ex-presidente a se tornar réu em razão de delitos supostamente cometidos durante o exercício do cargo, uma situação de dar inveja ao Peru. Caso seja condenado, além de ir para a cadeia e perder a patente, ele terá de devolver as condecorações que recebeu, como a Ordem do Mérito Militar. Além disso, sua aposentadoria de capitão reformado de R$ 12.307,00 (valor recebido em junho) passará a ser paga à sua mulher, Michelle Bolsonaro, que seria considerada a “viúva” do oficial.

No passado, Bolsonaro conseguiu convencer a Justiça. Em 16 de julho de 1988 foi absolvido por 9 a 4 pelo Superior Tribunal Militar (STM), que reverteu o veredicto do Conselho de Justificação, um tribunal de honra do Exército, que, por 3 a 0, condenara cinco meses antes o capitão por ter mentido durante uma apuração determinada pelo ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves. Bolsonaro disse em entrevista à Veja que tinha um plano para explodir bombas em quartéis, no Rio. Depois, negou ter dito o que disse.

O repórter Luiz Maklouf mostrou como a decisão dos ministros do STM contrariou os laudos grafotécnicos existentes da principal prova do caso: eles determinavam quem fez o croqui sobre como fazer e onde colocar as bombas. Para tanto, uma artimanha da defesa foi fundamental: dizer que existiam quatro laudos válidos em vez dos dois existentes. O veredicto do STM foi obtido por meio da indução a erro dos ministros.

Uma manobra semelhante não seria possível agora. Isso porque qualquer advogado atuante no STM sabe que tanto o artigo 99 quanto o 100 têm uma particularidade: aplicam-se também aos militares inativos. A coluna já havia mostrado que de nada adiantaria o tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid pedir a passagem para a reserva antes do término das investigações da Polícia Federal.

É o que disse, por exemplo, o juiz-auditor da Justiça Militar de São Paulo Ronaldo João Roth, autor de Direito Militar – Doutrinas e Aplicações. Roth não tem dúvidas: os dois artigos alcançam os militares da reserva. “Aplica-se aos oficiais da ativa e da reserva não só com base na condenação a pena privativa de liberdade acima de dois anos em vitrine crime comum ou militar, mas também por desvio de conduta que torne o oficial incapaz para continuar com a patente, por meio de Conselho de Justificação”, afirmou.

A espada que as investigações da PF faziam pender sobre a cabeça de Cid deve agora ameaçar a de Bolsonaro. A delação do ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência tem o condão, segundo o jurista Walter Maierovitch, de abrir as portas da cadeia para o ex-presidente. Isso porque, para ter a delação aceita, Cid terá de apontar o papel de cada acusado nas tramas reveladas pelos agentes federais.

O que esperar da delação de Cid

Como mostrou o Blog do Fausto, o instituto da colaboração premiada está previsto na Lei das Organizações Criminosas e estabelece que um colaborador “deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados”. Em seu artigo 4º a lei diz que a colaboração deve ser feita em vista de se obter, entre outros, os seguinte resultados:

1) A identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

2) a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa

3) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa.

É em razão desses três itens que a cúpula bolsonarista teme o efeito explosivo da delação de Cid. Não somente em razão dos meios de prova que pode fornecer para corroborar seu depoimento, mas também por ter a possibilidade de esclarecer o papel de ministros, assessores e políticos nas investigações sobre os atos golpistas – a minuta do golpe –, o ataque às urnas eletrônicas, as fraudes da carteira de vacinação e a venda das joias no exterior.

Cid pode, por exemplo, ajudar os investigadores a descobrir o paradeiro dos 128 presentes de autoridades estrangeiras que a auditoria do Tribunal de Contas da União identificou estarem ainda no acervo privado de Bolsonaro, em vez de incorporados ao patrimônio da União.

Ora, quanto mais relevante e eficaz for a colaboração de Cid e quanto mais o tenente-coronel se dissociar da organização responsável pelos malfeitos, mais o Ministério Público poderá requerer benefícios ao réu, inclusive o perdão judicial. Cid poderia até preservar – além do salário – o posto e a patente, livrando-se do opróbrio da expulsão. Mas sua carreira já está, definitivamente, encerrada.

No comando do Exército consideram-se imperdoáveis condutas como a falsificação das carteiras de vacinação. Ainda que o STF seja alvo de críticas em razão de sua atuação à moda da Lava Jato e, ainda que em futuro longínquo todos os processos sejam anulados ou as penas prescritas, existe a certeza de que Cid, um oficial tríplice coroado, jamais atingirá o generalato, a exemplo de seu pai, Mauro Cesar Lourena Cid, enredado no esquema de contrabando de joias e de transporte de muamba para o exterior.

Mas o tenente-coronel poderá salvar, além do posto e patente, também a honra do pai, conseguindo isentá-lo de acusações aviltantes. O acordo pode ainda ter o condão de abreviar o sofrimento de todos – de sua família, assim como o da cúpula do Exército, que não aguenta mais esperar o fim desta novela. A verdade é que quanto mais rápido tudo se esclarecer e quanto mais claro tudo ficar, maior será o risco de, desta vez, Bolsonaro não conseguir iludir os ministros das cortes superiores e se tornar um ex-capitão preso.

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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